UFMS coordena criação de Rede de Enfrentamento e Controle da Obesidade em Mato Grosso do Sul

Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel – 2018), do Ministério da Saúde, apontou aumento de 67,8% de obesidade no Brasil nos últimos treze anos, saindo de 11,8% em 2006 para 19,8% em 2018, com mais da metade da população (55,7%) apresentando excesso de peso.

Essa realidade alarmante levou o Ministério da Saúde a lançar, por meio de editais do CNPq, uma proposta nacional de Rede de Enfrentamento e Controle da Obesidade (Rede ECO-AB) no âmbito da Atenção Primária em Saúde (APS), porta de entrada dos usuários nos sistemas de saúde.

Em Mato Grosso do Sul, a Rede ECO-AB é coordenada pela UFMS, com a parceria de pesquisadores da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Uniderp e Faculdade Campo Grande (FCG), reunindo 25 pesquisadores.

“Estamos começando o trabalho na Rede com o planejamento de dois cursos semipresenciais e pesquisa. Para os dois cursos já foram contratados os bolsistas e já temos a confirmação de participação de todos os 79 municípios do estado”, explica a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Alimentos e Nutrição (Facfan) Camila Medeiros da Silva Mazetti, coordenadora do projeto.

O primeiro curso será voltado a gestores em saúde e está relacionado à Política Nacional de Alimentação e Nutrição. Trará questões sobre o manejo da obesidade, desafios, como trabalhar a promoção e prevenção e não só a recuperação da saúde. O curso será focado nos coordenadores da APS e nos coordenadores da área técnica de alimentação e nutrição, com convite estendido aos secretários municipais de saúde.

Já o segundo curso contemplará as equipes multiprofissionais de atenção primária em saúde – os Núcleos Ampliados de Saúde da Família (NASF). “Vamos trabalhar as mesmas nuances de prevenção e promoção da saúde, que chamamos de tecnologia leve dentro do SUS, para tentar pelo menos barrar o crescimento da obesidade, dar alguma solução para o problema que já temos, integrando as 11 microrregiões (Aquidauana, Campo Grande, Coxim, Jardim, Naviraí, Nova Andradina, Ponta Porã, Paranaíba, Corumbá, Dourados e Três Lagoas) de saúde do estado”, expõe Camila.

A proposta é, por meio dos interlocutores, apresentar algumas ferramentas de autocuidado em saúde para o cidadão, informações que serão repassadas não somente por nutricionista, mas também médico, enfermeiro, assistente social, fisioterapeuta, entre outros profissionais que trabalham com a obesidade de alguma forma.

“São coisas simples como discutir temas sobre alimentação saudável, ter uma horta em casa com temperos para usar menos sal, trabalhar grupos terapêuticos, e não somente ambulatorialmente, para recuperação da obesidade, apresentar práticas integrativas e complementares (acupuntura, meditação, terapia floral), ensinar as pessoas a ler rótulos, a entender que alguns alimentos que se dizem saudáveis são ultraprocessados, com muito mais açúcar do que se imagina. Trabalhar mais comunitariamente e agregar saberes de vários profissionais de saúde no enfrentamento da obesidade, trazer esses profissionais para tentar uma nova estratégia, porque o que estamos tentando tem falhado, pois as prevalências de excesso de peso só tem aumentado”, completa a coordenadora.

Os cursos serão iniciados em 2020, sendo que o de gestor será realizado em Campo Grande, com 30 horas de ensino a distância e 10 horas presenciais, com dois encontros, um no início e outro ao final para troca de experiência e prática dinâmica em relação ao que foi aprendido.

As equipes multiprofissionais farão curso de 180 horas, com três encontros presenciais. Os pesquisadores irão às microrregiões de saúde do Estado.

“Como parte de tese de Doutorado, o projeto contempla ainda a análise focal estratégica, em que os profissionais de saúde e gestores irão identificar os desafios da obesidade dentro da APS e irão propor soluções. Será um relatório, um compromisso de cada microrregião sobre a sua realidade e o que se propõe a fazer”, afirma Camila.

Pretende-se fazer também um diagnóstico do sistema de vigilância alimentar e nutricional (SISVAN) no estado, de forma a identificar qual a cobertura, quem está preenchendo, qual a qualidade dos dados, se há resultados com a vigilância ou não, entre outras questões. Será montada ainda uma plataforma digital para disponibilizar materiais de apoio, aulas dos cursos, vídeos, material instrutivo, totalmente aberto à consulta.

“E como finalização desse projeto pensamos em realizar um congresso estadual de enfrentamento e controle da obesidade, em 2021, para que haja compartilhamento de como estão aplicando o que foi trabalhado nos cursos, mas aberto para toda a comunidade”. Por fim, será encaminhado relatório ao CNPq.

Obesidade

Além da pesquisa Vigitel, outros levantamentos nacionais e regionais também apontam para o crescimento da obesidade no Brasil.

“Vivemos um ambiente obesogênico, com publicidade de alimentos ultraprocessados, pouca acessibilidade a bons alimentos, rótulos que informam mal, criação de mitos sobre a alimentação pela mídia, muita inatividade física, mobilidade urbana ruim, o que força as pessoas a andarem de carro, falta de segurança pública, que faz as pessoas evitarem atividade à noite pelo risco de serem assaltadas, ou seja, são pequenos combos que fazem um ambiente alimentar não saudável. Existem vários determinantes da alimentação sendo desafiados”, afirma Camila.

De acordo com o relatório do Vigitel 2018, realizado nas capitais brasileiras, a estimativa é de que em Campo Grande 61% dos homens estejam com IMC de excesso de peso (acima de 25), assim como 56% das mulheres. A obesidade em si (IMC igual ou acima de 30) atinge 21% dos homens e 22% das mulheres na capital. “Esses números são assustadores. A obesidade é classificada como uma doença, já tem todo um aparato que pode vir junto, como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares, doenças renais”, completa a coordenadora.

Nos percentuais de obesidade, as mulheres em Campo Grande ocupam a oitava colocação entre as capitais e os homens a quarta posição. De acordo com a pesquisadora, o Brasil já cresce mais rápido em obesidade do que os Estados Unidos, nação hoje mais obesa no mundo.

A obesidade infantil está mais assustadora ainda e a estimativa é de que até 2025 existam 11,3 milhões de crianças obesas no Brasil. Pesquisa de orçamento familiar do IBGE 2008-2009 apontou 33,5% das crianças menores de 10 anos com sobrepeso ou obesidade no país, ou seja, uma em cada três.

“A bolacha recheada está muito mais acessível do que a verdura. O saudável tem de cozinhar e as pessoas perderam essa habilidade culinária. Tem que chegar em casa lavar, conservar, picar. Uma série de estudos apontam que a obesidade está intimamente ligada ao consumo desses produtos processados e ultraprocessados, que ganham os consumidores pela comodidade e algumas vezes pelo preço”, diz.

Camila estabelece uma comparação da alimentação processada e ultraprocessada com o tabaco. “Quando 60% do Brasil fumava, todos sabiam que fazia mal para o pulmão, causava câncer, mas era uma sociedade muito condicionada. Quando se começou a regular o tabaco, ficou mais caro, colocaram aquelas fotos sobre as doenças e males do cigarro nas caixas e iniciou-se uma propaganda de massa muito pesada contra o hábito de fumar, essa realidade mudou. Hoje cerca de 10% dos brasileiros fumam. Caiu estrondosamente. Por isso, precisamos fazer isso com os alimentos ultraprocessados, taxação, restrição de publicidade, porque o consumidor ainda está despreparado em relação ao que realmente anda comendo”.

Para a pesquisadora, a obesidade é uma consequência da atual economia da sociedade, porque se ganha dinheiro engordando as pessoas indiretamente. “Se ganha na venda de produtos alimentícios processados e ultraprocessados. Com o adoecimento, se ganha vendendo saúde, diagnóstico, tratamento. As pessoas estão o tempo inteiro lutando contra a balança e muitas vezes ocorre a culpabilização do obeso pela falta de vontade, por preguiça, mas há todo esse ambiente obesogênico que favorece o ganho de peso”.

A obesidade chegou até mesmo a saúde indígena, onde há dualidades. Enquanto algumas aldeias enfrentam a desnutrição, outras estão sofrendo as consequências do excesso de peso.

“O brasileiro ainda tem uma identidade alimentar. Quando se fala em comida no Brasil se pensa em arroz com feijão, acarajé, feijoada, churrasco, em pratos típicos de cada região do país. Mas a previsão é de que em 2025 a comida de verdade no Brasil fique mais cara do que os ultraprocessados, como acontece em países como Estados Unidos e Inglaterra. O problema está virando uma bola em neve”, afirma.

É importante que as pessoas façam escolhas informadas. Até 5 de novembro está em discussão por consulta pública a nova proposta de rotulagem frontal. “Os rótulos são grandes armadilhas, com esses fit, light, zero, integral, diet, nomes em inglês, com porções diferentes que dificultam comparações. As pessoas pagam mais caro, mas não sabem para que servem”. A consulta pública está aperta a sociedade geral pelo site: http://portal.anvisa.gov.br/noticias/-/asset_publisher/FXrpx9qY7FbU/content/abertas-consultas-publicas-sobre-rotulagem-de-alimentos/219201 e existem tutoriais e instrutivos do Instituto de Defesa do Consumidor de como apoiar a iniciativa e fazer valer seu direito de saber.

Paula Pimenta