Tese analisa aprendizagem em matemática com lousa digital

Como ocorre o processo de construção de conhecimento pelos estudantes ao utilizarem a lousa digital em aulas de matemática é uma das principais indagações da tese de doutorado, no Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática (PPGEduMat) da UFMS, do pesquisador Sérgio Freitas de Carvalho.

Com a coleta de dados a partir de ações desenvolvidas com alunos do ensino médio de uma escola estadual de tempo integral, e com alunos do ensino fundamental de uma escola municipal, ambas em Campo Grande, o pesquisador, mestre em Educação Matemática, norteará suas análises pelos estudos de Seymour Papert sobre o Construcionismo, pelos estudos de José Armando Valente sobre o ciclo de ações, e pelos estudos de Jaan Valsiner sobre a psicologia cultural e a perspectiva co-construtivista do desenvolvimento humano.

Em Campo Grande, a lousa digital foi distribuída para as escolas por meio do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo Integrado) do Ministério da Educação. Acompanhada de um projetor multimídia, a lousa digital pode ser utilizada em qualquer superfície plana, como se fosse um computador, projetando uma infinidade de possibilidades entre softwares, sites, vídeos do youtube, aplicativos e outros.

“Quando se utiliza a tecnologia, que é de uso coletivo, e se trabalha com essa tecnologia dentro uma abordagem que acreditamos favorecer a aprendizagem, você percebe sim um movimento rico de produção de conhecimento, devido a essa interação, que é intensificada quando todos estão enxergando a mesma coisa, trabalhando na mesma tela”, explica o pesquisador.

Se cada aluno estivesse no seu computador, vendo a mesma coisa de forma isolada, observa Sérgio, muito do conhecimento construído ficaria somente no plano individual, sem desdobramentos importantes. “Mas, no uso coletivo, se eu tinha pensado em alguma coisa e o fiz na lousa, quem tem uma ideia diferente, ou mesmo complementar, mostra, assinala, há interação. A ideia de um começa a se cruzar com a de outro e você percebe um movimento muito rico nessa tentativa de equilíbrio de ideias”, diz.

Mesmo levantando uma série de particularidades, o foco da pesquisa de doutorado é entender esse processo cognitivo. “Queremos saber como que se dá esse processo de construção de conhecimento dos indivíduos que estão envolvidos nesse estudo em conjunto, utilizando a lousa digital em matemática, ou seja, é uma pesquisa de cunho cognitivo”.

Em termos teóricos, o grupo de estudos em Tecnologias e Educação Matemática iniciou com a perspectiva Piagetiana de aprendizagem. “Ao longo do tempo, com novos conhecimentos, vários de nós passamos a nos interessar pela perspectiva teórica da Psicologia Cultural, que articula pressupostos de diferentes teóricos (como Piaget e Vygotsky), porque o processo de aprendizagem, de desenvolvimento humano, é muito complexo para trabalhar sobre um único viés. Jaan Valsiner nos mostra que as abordagens não são contraditórias, podem ser trabalhadas juntas e é importante que isso aconteça”, afirma o doutorando.

“Acredito que a aprendizagem é individual, mas ela nunca acontece sozinha. Ter algum aporte teórico que te ajuda a articular o individual com o coletivo é importante e é o que a Tese está sinalizando”, completa.

Ainda durante o Mestrado (2014), o pesquisador, que escreveu a dissertação “Formação Continuada em Serviço e o uso da Lousa Digital em aulas de Matemática: ações e reflexões de um grupo de professores”, foi o primeiro a trabalhar especificamente com a questão da lousa digital no PPGEduMat.

Hoje, segundo Sérgio, sabe-se que muitas escolas que receberam a lousa digital não utilizam com frequência e quando o fazem, muitas vezes acaba sendo usada como mero projetor.

O pouco uso é resultado de uma série de variáveis como a questão de formação de professor, a questão do conhecimento matemático que é necessário para o professor trabalhar, estrutura física, dentre outras.

“Independentemente de ser a lousa digital ou qualquer outra tecnologia, percebemos que seu uso na escola pode ter duas direções: usar a tecnologia para fazer algo que já se fazia sem ela ou usar a tecnologia tentando fazer algo que sem ela não se conseguiria fazer e percebemos na prática a primeira opção como a realidade”, expõe Sérgio.

O doutorando desmistifica a lousa digital que muitas vezes acaba não sendo utilizada por acharem que é uma tecnologia muito diferente, quando na verdade pode ser entendida como “um computador com uma tela grande”. “Há falta de informação e o que as pessoas não conhecem, criam receio”, diz.

Interação

A troca de informações por meio da lousa digital gera um movimento muito positivo de aprendizagem. Em aula que realizou com alunos de turma de oitavo ano, o pesquisador utilizou a lousa com o software GeoGebra para o ensino de triângulos e quadriláteros.

“Para tentar construir uma base de geometria, comecei a abordar conceitos de paralelismo, perpendicularidade. Os alunos aprendem que duas retas paralelas não se encontram. Porém, se faço a representação no papel sem rigor matemático, pode ser que se prolongar infinitamente essas duas retas, em algum momento elas irão se cruzar já que, de repente, no que se vê, a inclinação de uma delas com relação à outra pode ser tão insignificante que parecem paralelas, mas realmente não são. Com a tecnologia podemos distanciar muito, por meio do recurso de zoom, e em algum momento perceber que elas se encontram. Esses questionamentos e percepção real, aliados à interação oportunizada pelo uso da lousa digital, instigam os alunos”, diz.

Ao aprenderem sobre triângulos, os alunos descobrem que uma das propriedades é que a soma das medidas dos ângulos internos sempre será 180 graus. “Os alunos iam para a lousa para medir os ângulos e percebiam que, independentemente dos diferentes tamanhos dos triângulos, a soma das medidas dos ângulos internos era sempre a mesma. E eles ficavam intrigados com aquilo, porque dinamicamente os ângulos vão se alterando à medida que se modifica os triângulos”.

Os ganhos são muitos, mesmo diante de algumas limitações técnicas do produto. “Há algumas imprecisões na caneta da lousa digital, que atrapalham quando se quer fazer coisas que exigem mais precisão, quando é necessário fazer alguma anotação, mas são detalhes que podem futuramente ser melhorados e que não impedem seu uso”, completa.