Projeto promove prática teatral e conhecimento sobre cultura brasileira a alunos da Educação Básica

Por meio do projeto de extensão Cultura Brasileira nas escolas: conhecendo o teatro engajado nacional, estudantes de diversas graduações do Câmpus de Três Lagoas (CPTL) têm promovido minicursos a alunos de duas escolas de Educação Básica da cidade. Entre os temas abordados estão o futebol, a música funk, o sertanejo universitário, as chanchadas brasileiras, o cinema atual e o teatro engajado no país, entre outros.

As atividades iniciaram no segundo semestre de 2023 na escola Colégio Unitrês Objetivo e continuaram em 2024 na Escola Estadual Padre João Tomes, com oficinas sobre a peça Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, e sobre a adaptação fílmica homônima de Leon Hirzman, que trouxe à obra novos olhares e discussões que permearam a problemática do golpe militar no Brasil. A peça de 1958, que trata do contexto histórico da época e da greve operária como tema principal, foi escolhida para a atividade final do projeto, que é uma encenação teatral. 

A adaptação da obra será apresentada no dia 8 de agosto, a partir das 19h30, no anfiteatro Dercir Pedro de Oliveira do CPTL. Tanto a produção, quanto o elenco são compostos pelos estudantes da UFMS e alunos da escola estadual. A iniciativa é aberta a toda a comunidade e a entrada é gratuita. 

Projeto 

A proposta surgiu como continuidade de outro projeto de extensão, que obteve bastante sucesso no ano passado e inspirou a criação da Cia Teatral Ato Histórico. Assim como na ação anterior, a iniciativa está vinculada à disciplina optativa de extensão Estudos Socioculturais e Prática Teatral, ministrada pela coordenadora do projeto, Dolores Puga. 

Segundo a professora, o projeto tem sido de extrema importância para a formação de todos os envolvidos e a parte pedagógica e artística tem trazido uma demanda interessante, com resultados belíssimos. “No ano de 2024 completamos 60 anos do golpe militar no Brasil. Trazer uma obra teatral como essa, tal qual seu contexto histórico, como instrumentos pedagógicos para os estudantes e alunos da educação básica, é uma forma riquíssima de fazer da memória uma forma de resistência, não apenas para que enxerguemos as desigualdades sociais, de condição de vida e trabalho existentes no Brasil, como também para que nunca nos esqueçamos o horror da ditadura. A peça teatral foi adaptada ao cinema brilhantemente para deixar essas questões latentes, adaptações essas que foram levadas em consideração para o nosso espetáculo. A valorização do proletário das grandes indústrias e seu direito à greve são o coração da obra, e nos convidam a pensar a relevância das lutas coletivas”, comenta.

A peça tem o apoio cultural do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; do Sindicato dos Trabalhadores em Educação, Fundação UFMS e IFMS, e da Seção Sindical dos Professores da UFMS. 

Os ensaios têm sido realizados desde abril em salas de aula da E.E. Padre João Tomes e em salas e anfiteatro da UFMS. Há 22 personagens no elenco, que serão encenados por 18 estudantes da Universidade e quatro alunos da escola. 

Preparação de elenco, assistência de direção, maquiagem, direção de arte, fotografia e contrarregragem são todos feitos por estudantes dos cursos de Direito, Geografia, História, Letras/Espanhol e Pedagogia. A produção do cenário foi feita pelos alunos da educação básica e a ação tem a participação também da professora Julice de Souza Farias, que ministra aulas de História na escola. O projeto de extensão não possui bolsistas, mas estão envolvidos na proposta sete bolsistas de Iniciação Científica e do Programa de Educação Tutorial.

O estudante do 7º semestre de Pedagogia, Vinícius Alexandre Senis Prado, conta que, após quatro anos longe dos palcos, seja como idealizador ou como ator, retorna a partir do convite a participar da preparação do elenco e da assistência da direção da peça, feito por um professor querido e que também compartilha o amor pelo teatro, Valdeci Luiz Fontoura dos Santos. “Assim que entrei, me deparei com um elenco jovem e que tinha uma energia contagiante, a mescla entre universidade e escola proporcionaram um encontro sem igual. Em meus primeiros ensaios junto à trupe estava na qualidade de observador e um bom ‘palpiteiro’, dando meus pitacos aqui e ali, conhecendo mais sobre essa montagem e concomitantemente, vendo a direção maravilhosa de Dolores”, aponta.

Vinícius diz que não só encontrou um bom lugar para retomar ao fazer teatral, como se sentiu acolhido por uma nova amiga e por um elenco formado por pessoas que querem falar sobre muitas coisas que os inquietam, o que, ao seu ver, é a essência do teatro. “É troca e não poderia haver momento mais propenso do que esse em que vivemos. Cada vez que entro na sala de ensaio meu estômago embrulha e as borboletas parecem querer sair voando pela minha boca, mas vou me controlando. O espetáculo está potente, com uma mensagem ambígua, que permite ao público refletir sobre suas próprias convicções, bem como o grande cerne de sentir coisas. Para além das palmas, nosso grande objetivo é uma mensagem a ser entendida, é um silêncio de preocupação misturado com uma respiração ofegante. As expectativas são muitas, mas a principal é de que seja lindo, de todos os pontos de vista”, afirma. 

Sobre o que a participação no projeto traz à sua formação, enfatiza que é uma reafirmação de seus objetivos de ser professor e passar seu conhecimento adiante. “A Pedagogia veio pra me mostrar como posso plantar essas sementes do teatro logo na infância, visto que entra como tema do meu trabalho de conclusão de curso e casa com meu sonho e objetivo que são fundar a minha própria escola de teatro e fazer com que ela atenda a meninos e meninas como eu, que precisam ser salvos pelo teatro, que precisam do palco como casa e de uma trupe como família. Então voltar ao teatro oportunizado por este projeto, deu mais oxigênio para essa chama que existe dentro do peito”, declara e finaliza agradecendo a oportunidade à Cia Teatral Ato Histórico, aos professores Dolores, Valdeci e Kaelly Virginia, e à esposa Heloisa Ribeiro Soares, por não deixá-lo desistir de seus sonhos. 

Apresentação 

Quem também espera que a peça seja tão apaixonante para o público, quanto tem sido para todos os atores é o estudante do 3º semestre de História, Vito Alexandre Couto Dutra, que irá interpretar o personagem Tião, um operário de fábrica que procura uma melhora de vida para si e sua esposa, mesmo que isso acabe custando sua moral e sua relação com seu pai Otávio, o maior grevista que o morro já viu. “A experiência tem sido bem diferente das que tive anteriormente, o personagem é bem extrovertido, malandro e carismático, contudo ele tem conflitos que cria ao longo da peça e não os resolve, então me parece que ele tenta simular essa felicidade e jeitão carioca. Estou muito ansioso, com leve receio se vou entregar uma versão verossímil do Tião”, revela. 

Para o estudante, a peça é repleta de lutas e conflitos que estão no dia a dia ou aos arredores da sociedade, e, reprisa a luta do operário contra a opressão e exploração de si e sua força de trabalho. “É algo que muitos vivem ou apenas assistem acontecer em sua volta, mas ignoram, ou simplesmente não conseguem dar atenção porque estão ocupados demais com seus próprios problemas para olhar ao redor. Mas agora não vai ter como ignorar ou esquecer, pois vamos encenar justamente isso, personagens que estão lutando e sofrendo enquanto outros ao redor, enquanto o mundo em que estão inseridos os deixa de lado, ou simplesmente não têm tempo para dar atenção a eles. Bem, o trabalhador vai ter a chance de ver a si mesmo representado em cena, e lembrar que não está sozinho”, ressalta. 

A aluna do 8º ano da E. E. Padre João Tomes, Thaissa Emanuele da Silva Santos, que irá interpretar a personagem Terezinha, expressa satisfação em participar do projeto. “Com certeza está sendo muito gratificante, uma das melhores experiências da minha vida. Me sinto feliz quando chego nos ensaios, pois sou tratada bem e me divirto enquanto atuo. Desde novinha sempre gostei do teatro, sempre estava assistindo filmes, séries ou documentários sobre peças ou coisas antigas. Dentro de mim sempre existiu a vontade de viver a experiência do teatro, entretanto, nunca tive uma oportunidade, por isso me entrego em cada momento dos ensaios desta maravilhosa peça”, relata. 

Segundo a aluna, o aprendizado sobre a temática, vindo do conhecimento proporcionado pela peça, ensaios e convivência com os estudantes da UFMS é grande e foi inclusive elogiado por suas professoras na escola. “Em cada ensaio sinto que aprendo algo novo, porque nunca tinha ouvido essa peça, ou sobre a influência da greve na ditadura. Estou extremamente ansiosa e animada para viver o espetáculo, irei interpretar a Teresinha, uma menina da favela de mais ou menos 14, 15 anos que é extrovertida, fala bastante, principalmente dos outros, e tem um namoradinho que é irmão do antagonista/protagonista da peça. Estou realizada em participar deste elenco e principalmente poder retratar um pouco sobre um momento importantíssimo do nosso país”, expõe.

A professora Dolores se diz feliz com a divulgação da peça e com a proporção que tudo está tomando. “No ano passado conseguimos lotar o anfiteatro, que tem mais de 400 lugares, com o teatro grego. Esperamos repetir o feito, afinal de contas, a cultura e a arte brasileira merecem esse apreço!”, finaliza a coordenadora, revelando que há previsão de uma nova apresentação de Eles não usam black-tie no final de setembro. 

 

Confira a ficha técnica da peça:

Cia. Teatral Ato Histórico apresenta
Eles não usam black-tie de Gianfrancesco Guarnieri.
Adaptação e direção geral: Dolores Puga
Preparação de elenco e assistência de direção: Vinícius Senis
Iluminação: Marcus Caetano
Sonoplastia: Dolores Puga
Contrarregras: Giovanna Pereira e Camilly Victória
Figurino: Cia. Teatral Ato Histórico
Divulgação: Cia. Teatral Ato Histórico
Direção de arte: Alex Machado e Diego Santos
Cenografia: Diego Santos e alunos da E.E. Padre João Tomes
Maquiagem: Isadora Bachiega, Claudia Santos, Beatriz Queiroz, Bianca Santos, Sarah Cristiny Dias
Elenco:

  • André Oliveira (Otávio)
  • Joss Rosse (Romana)
  • Vito Dutra (Tião)
  • Leonardo Ferreira (Chiquinho)
  • Gabi Costa (Maria)
  • Isadora Bachiega (Maria)
  • Thaissa Silva (Terezinha)
  • Carlos Nunes (Bráulio)
  • Suzane Rodrigues (Satini)
  • Nayelli Fernanda (Jesuína)
  • Júlio Fonseca (Juvêncio)
  • Kennedy Quintino (Patrão)
  • Julia Magri (Patroa)
  • Silvano Moraes (Tenente)
  • Carlos Daniel (Policial 1)
  • Bruno Garcia (Policial 2)
  • Guilherme Mormito (Policial 3)
  • Renan Prado (Policial 4)
  • Claudia Santos (Operária 1)
  • Yuri Franklin (Operário 2)
  • Maria Eduarda Maia (Operária 3)

 

Texto: Ariane Comineti 

Fotos do ensaio com figurino: Alex Machado

Fotos dos minicursos: Arquivo do projeto