Contando com financiamento via edital do CNPq, pesquisadores do Campus de Três Lagoas (CPTL) implantaram, em 2017, o Núcleo de Estudo em Agroecologia e Produção Orgânica (NEA) da região do Bolsão, em Mato Grosso do Sul. “O NEA é resultado de uma articulação que iniciou-se, em 2013, entre o Laboratório de Geografia Agrária do CPTL e o Instituto de Sociologia e Estudos Campesinos (ISEC), da Universidade de Córdoba-Espanha, e um grupo de famílias em transição agroecológica vinculadas a Associação dos Agricultores Familiares do Assentamento 20 de Março, em Três Lagoas”, explica a coordenadora do projeto Rosemeire Aparecida de Almeida.
De acordo com Rosemeire, desde então, foram realizadas diversas atividades como a primeira edição do Seminário sobre Transição Agroecológica: limites e possibilidades”, em 2014, que culminou também na ação de extensão Dinamizando a Agricultura Familiar e o Consumo Agroecológico em Três Lagoas-MS, com a formação de grupos de consumo com vistas a promover comercialização direta entre os agricultores e consumidores por meio das sacolas agroecológicas. Em 2017, foram iniciadas as atividades do projeto de pesquisa que culminou na criação do NEA.
“Os agricultores familiares do Bolsão têm resistido em suas propriedades numa região de expansão acelerada do plantio de eucalipto visando produção de pasta de celulose. Aliada a essa luta pela permanência na terra, soma-se o esforço de algumas unidades de produção, em especial de assentados da reforma agrária, que buscam mudanças no sistema de produção convencional para o agroecológico. Todavia, isso ocorre em meio a muitas dificuldades que vão desde a precariedade de infraestrutura dos projetos de reforma agrária aos problemas no sistema de produção, como: falta de acesso a sementes de qualidade e quase ausência de assistência técnica voltada à transição agroecológica e baixa autonomia na substituição de insumos”, lembra Rosemeire.
A pesquisadora explica que o NEA atua nessas unidades com o objetivo de reduzir e substituir o uso de insumos químicos e auxiliar no manejo da biodiversidade e redesenho dos sistemas produtivos. “Estimulamos a criação de bancos comunitários de sementes crioulas, produção de caldas defensivas e biofertilizantes, ações fundamentais para a recuperação da qualidade do solo e para garantir a soberania alimentar desses agricultores e suas famílias”, comenta. Como ponto de partida para as ações, que tem efeito multiplicador, foi escolhido o Assentamento 20 Março, localizado em Três Lagoas.
Durante os três anos de desenvolvimento do projeto de pesquisa, foram realizadas várias atividades como feira para resgate das espécies crioulas, produção e armazenamento destas espécies, cursos e oficinas sobre caldas e biofertilizantes, associativismo e implementação de canais curtos de comercialização. “Desta forma buscamos promover a articulação dos três níveis da transição agroecológica, em particular o redesenho do agroecossistema rumo à autonomia dos agricultores no tocante a sementes para o plantio, substituição de insumos, soberania alimentar e implementação da renda”, detalha Rosemeire.
Segundo a coordenadora, além da pesquisa o projeto proporcionou articulação entre ensino, a extensão, o empreendedorismo e a inovação. “O desenvolvimento do projeto permitiu desdobramentos de duas naturezas. O primeiro refere-se às contribuições para a área de conhecimento a qual se vincula a pesquisa; o segundo, a articulação e diálogo entre diferentes universidades, entidades e grupos informais com a finalidade tanto de construir ações de formação relacionadas aos temas de interesse da agroecologia e produção orgânica como de compartilhar esses conhecimentos via eventos de ativação da vida comunitária no território rural Bolsão-MS”, diz.
Entre as ações, a pesquisadora destaca os eventos realizados em parceria com o Comitê de Mulheres Camponesas do Bolsão-MS que trataram sobre diversas temáticas. “Desde a aprovação do NEA, foram quatro eventos que articularam uma gama de institucionais desde o âmbito local ao federal, bem como grupos informais com temáticas definidas em diálogo com os camponeses, dentre elas destacam-se: violência contra a mulher, resgate de sementes crioulas, mercados institucionais, agroecologia e mulher, caldas defensivas, aposentadoria rural, manejo de áreas de preservação ambiental”, conta Rosemeire. Na totalidade, mais de 800 pessoas participaram dos eventos que ocorreram nos assentamentos 20 de março e Pontal do Faia, em Três Lagoas; Serra, em Paranaíba; e Alecrim, em Selvíria.
Ainda, o projeto implantou duas unidades de referência no assentamento 20 de Março, em Três Lagoas, nos lotes 44 e 53. “Nestes locais foram implementados redesenho produtivo com vistas a maior sustentabilidade da horticultura, com destaque para a automação de Estufa e Irrigação, em parceria com o Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, e a construção de Biodigestor para produção de biogás e biofertilizante, em parceria com o Centro Vocacional Tecnológico de Agroecologia e Produção Orgânica da Universidade Federal da Grande Dourados”, destaca. “A automação da estufa para irrigação objetivou diminuição de gastos inclusive com mão de obra, uma vez que se trata de tecnologia de baixo custo com acionamento automático. E a instalação do biodigestor permite autonomia energética por conta da produção de biogás e otimização da agricultura com insumo endógenos a partir do biofertilizante. Outra conquista foi a parceria com a empresa Paula & Ribeiro, com sede em Três Lagoas, para fornecimento de esterco do frigorífico para a Associação dos Agricultores Familiares do Assentamento 20 de Março para fins de abastecimento dos biodigestores e compostagem”, detalha a coordenadora. “Os assentados não possuem condição financeira favorável que permita absorver gastos com logística e ao término do projeto CNPq, o NEA-Bolsão ficou sem recursos para dar continuidade as parcerias, em especial a citada com o frigorífico Paula & Ribeiro. Porém, apesar da dificuldade, os êxitos do NEA são marcantes e decisivos na busca contínua por novos financiamentos”, complementa.
“Em relação a extensão, a partir da pesquisa foi aprovado junto a Pró-reitoria de Extensão, Cultura e Esporte ações a fim de articular produção agroecológica no campo e consumo consciente na cidade via implementação de canais curtos de comercialização como Feira semanal nas dependências da UFMS e, em 2019, nos condomínios residências da cidade de Três Lagoas. Ações que tiveram desdobramentos para além do projeto de extensão, uma vez que às 17 famílias do grupo das hortas agroecológicas do assentamento 20 de disseminaram esse modelo de comercialização em outros espaços da cidade. Em 2020, em razão da pandemia da COVID-19, a comercialização passou a ser on-line, com entrega domiciliar”, conta.
A professora Rosemeire ressalta também o desenvolvimento de projetos de iniciação científica e produção de trabalhos de conclusão de curso de graduação e dissertação sobre a temática da agroecologia e sobre o assentamento 20 de Março. “Em 2019, aprovamos junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia a inserção na grade curricular da disciplina: Agroecologia e Sustentabilidade Agroambiental”, destaca.
“Nestes tempos de crises sanitária e humana, os resultados do projeto reforçaram a necessidade de políticas públicas de proteção, financiamento e comercialização da agricultura camponesa agroecológica que assegurem as condições de permanência das pequenas unidades familiares no campo sul-mato-grossense, em especial no território do Bolsão, para que o alimento saudável não falte à mesa dos trabalhadores”, enfatiza Rosemeire.
Atualmente, após a criação do NEA, Rosemeire coordena projetos de extensão e pesquisa: Agroecologia e Organização do Consumo: feiras e grupos de consumos em Três Lagoas/MS – online e presencial e Consolidação e Espacialização do Núcleo de Agroecologia e Produção Orgânica no Território Rural do Bolsão-MS, respectivamente.
“A atual proposta de pesquisa visa consolidar e expandir pelo território do Bolsão a transição agroecológica iniciada em Três Lagoas. Ação fundamental considerando que o efeito multiplicador é processual, logo contar com um ponto de partida que são as unidades demonstrativas implantadas pelo NEA-Bolsão no assentamento 20 de Março, implica em poder especializar experiências exitosas como atividades como Feira para resgate das espécies crioulas, produção e armazenamento destas espécies, cursos e oficinas sobre caldas e biofertilizantes, associativismo e implementação de canais curtos de comercialização”, explica Rosemeire.
Em relação ao projeto de extensão, devido ao contexto imposto pela pandemia da Covid-19 e enquanto durar o trabalho remoto na UFMS, deve dar continuidade à realização da feira em formato on-line. Além da comercialização de uma lista de alimentos por meio de um grupo de WhatsApp, foram disponibilizadas outras opções: pedido manual no grupo de WhatsApp e formulário eletrônico de pedidos via plataforma CognitoForms. “Aos consumidores-apoiadores são ofertados semanalmente tubérculos, legumes, verduras, vegetais, hortaliças, produtos de indústria doméstica (como queijos, geleias, entre outros). Ressaltando que os itens ofertados são produzidos a partir de um manejo agroecológico, uma vez que as famílias que fazem parte do projeto estão em transição do modelo tradicional agroquímico do agronegócio (adubos e agrotóxicos) para o manejo sustentável que é aquele apoiado em processos ecológicos, a exemplo das caldas defensivas, barreiras agroecológicas, adubação verde, biofertilizantes, sementes crioulas”, destaca Rosemeire.
O NEA-Bolsão conta com a participação de pesquisadores e estudantes do curso de graduação e pós-graduação em Geografia do CPTL. Atuam e já atuaram no Núcleo instituições como: Associação dos Agricultores Familiares do Assentamento 20 de Março, em Três Lagoas, Campus Pantanal da UFMS, Embrapa Pantanal, Associação dos Produtores Orgânicos de Mato Grosso do Sul, campus do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul em Três Lagoas, Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural, Faculdade de Engenharia do campus de Ilha Solteira da Universidade Estadual Paulista, universidades federais da Grande Dourados, do Rio Grande do Norte e do Triângulo Mineiro, Universidade do Estado de Mato Grosso, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Universidade Estadual do Oeste do Paraná e Comissão Pastoral de Terra de Mato Grosso do Sul.
Mais informações sobre o NEA-Bolsão podem ser obtidas nos perfis do Núcleo – @agroecologiacptl – nas redes sociais.
Texto: Vanessa Amin
Fotos: Acervo NEA-Bolsão – registradas antes do início da pandemia da Covid-19