Há muito a ciência caminha passos atrás da até então inalcançável evolução bacteriana que assombra a saúde pública com previsões um tanto preocupantes. A Organização Mundial da Saúde já sinalizou para mais mortes em 2050 causadas por esses microrganismos do que por doenças como o câncer.
Entretanto, a indústria farmacêutica reduziu significantemente o interesse e investimentos no desenvolvimento de novos fármacos antibacterianos, em grande parte isto está relacionado com a resistência bacteriana que é rapidamente desenvolvida.
Na contramão dessa realidade, pesquisadores de todo o mundo estão sendo convocados a direcionar suas lentes no combate às bactérias, em especial as denominadas de super bactérias, e há uma lista desses microrganismos propagada pela OMS a serem o quanto antes derrotados.
Na UFMS, os professores Denise Brentan e Carlos Alexandre Carollo encabeçam uma série de pesquisas no Laboratório de Produtos Naturais (Lapnem) visando a busca de novos candidatos a fármacos antibacterianos.
Antibacterianos
Sob a coordenação da professora Denise, o projeto de pesquisa “Aplicação de fontes vegetais no desenvolvimento de fármacos para uso na saúde humana e animal” avança em diversas fretes, tendo entre seus parceiros a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) por meio dos professores Alexandre José Macedo, Danielle Trentin e Tiana Tasca.
“Antibacterianos e antibiofilmes formam uma linha de pesquisa dentro do laboratório. Utilizamos a nossa flora na busca de novos ativos nesse combate a bactérias e nessas estratégias temos duas vertentes: podendo atacar diretamente a bactéria, assim como um antibiótico, ou também desenvolver estratégias para combater os biofilmes bacterianos”, explica a pesquisadora.
Algumas bactérias tem a capacidade de formarem biofilmes aderindo-se a uma superfície e formando uma comunidade de bactérias envoltas por substâncias que as protegem de agressões. Os biofilmes também conferem resistências aos antibióticos e são responsáveis por recorrentes infecções, uma vez que há ruptura e liberação de bactérias para o meio.
“O problema do biofilme é muito recorrente e agrava muito os quadros de infecções bacterianas. Os antibióticos clássicos não conseguem penetrar no biofilme para eliminar a bactéria que está lá dentro. Então, pessoas que possuem implantes, cateter, prótese e outros acabam tendo infecções bacterianas recorrentes, por conta dessa ruptura e liberação dessas bactérias na corrente sanguínea. E o recorrente uso de antibioticoterapia pode induzir resistências a essas bactérias e agravar ainda mais o quadro do paciente”, expõe.
E a preocupação dos cientistas é o crescimento bastante acentuado de bactérias resistentes – há uma lista da OMS de 12 superbactérias a serem combatidas por meio do desenvolvimento de novos fármacos nessa área, que carece de maior interesse por parte da indústria.
“Hoje muitas indústrias farmacêuticas estão focadas em várias doenças, como na busca de medicamentos para tratar câncer, doenças inflamatórias, mas os antibacterianos não estão nessa classe, porque demandam o alto investimento de recursos e com o rápido desenvolvimento de resistência bacteriana as indústrias não conseguem o retorno esperado para esses medicamentos. Assim, é importante que na Academia continuemos as pesquisas na busca desses compostos, por isso pesquisamos desde antibacterianos com atuação de um antibiótico clássico, como também na busca de compostos que combatem o biofilme”, diz Denise.
Protozoário
Os pesquisadores do Lapnem também dedicam horas de pesquisa a descoberta de medicamentos para tratar a tricomoníase, doença que ocorre no sistema reprodutor, mas com maior incidência entre as mulheres. A tricomoníase é a segunda infecção não viral mais comum em humanos transmitida sexualmente.
Associada a complicações relacionadas a problemas na gravidez como partos prematuros e baixo peso de recém-natos, além de infertilidade e cânceres de próstata e cervical, a tricomoníase é combatida hoje por apenas dois medicamentos.
“E já existem cepas de Trichomonas vaginalis, agente que causa a tricomoníase, resistentes a esses fármacos, por isso, outra vertente é a busca de novos componentes que podemos utilizar para tratar essa infecção por Trichomonas vaginalis, que acomete um grande número de pessoas em todo o mundo”, afirma a pesquisadora.
Própolis marrom
Produzida pelas abelhas a partir de material extraído da flora, a própolis – em especial a marrom – destaca-se nas pesquisas do Lapnem.
“Nós trabalhamos com a própolis marrom, aqui de Campo Grande. Realizamos toda a parte química utilizando ferramentas modernas, que nos permitem rapidamente conseguir identificar o componente de uma mistura e achar quem é o possível ativo para tratar tanto tricomoníase como biofilme bacterianos”, explica Denise. O projeto envolveu também pesquisa de dissertação da pesquisadora Djaceli Sampaio de Oliveira Dembogurski.
E os resultados têm sido promissores. Na parte antibacteriana, os pesquisadores descobriram que além de ser um antibiótico clássico, ela consegue penetrar dentro do biofilme e atacar a bactéria que se esconde lá dentro.
“Isso é bastante interessante porque poderíamos ter então um novo fármaco que possa atuar tanto nessas bactérias que estão livres, chamadas de planctônicas, como nas bactérias dentro do biofilme, que é na verdade o ideal que a gente procura numa estratégia para combater bactérias”, comemora.
Os pesquisadores conseguiram otimizar a produção de uma fração de própolis, sendo bastante ativa contra a Trichomonas vaginalis, e já estão em desenvolvimento formulações como um creme vaginal para tratar a tricomoníase. Este projeto é realizado em parceria com a professora Aline H. Carollo do laboratório de tecnologia farmacêutica da UFMS.
Também estrelando no laboratório, a Nectranda megapotamica é uma espécie em estudo que já mostrou produzir alta concentração do componente químico o α- bisabolol. “Investigamos atividade antibiofilme e anti-Trichomonas vaginalis e tivemos resultados muito significativos, em que o α-bisabolol atua inibindo a formação de biofilme bacteriano e reduzindo a viabilidade de Trichomonas vaginalis”.
O Lapnem batalha agora a compra de um sistema de cromatografia a gás acoplado a espectrometria de massas (CG-EM).
“Submetemos uma proposta e fizemos um pedido desse sistema, porque todos esses projetos, para dar continuidade – quantificação, dosagem do ativo, e controle de qualidade dessas formulações – nós utilizaríamos esse sistema de análise que hoje não possuímos no nosso laboratório. E ainda atenderíamos a parte dos estudos ecológicos, que busca entender e compreender os fenômenos ecológicos relacionados aos componentes químicos, o que pode impactar positivamente na conservação das espécies”, completa Denise.
Esse novo sistema seria complementar ao já existente no Lapnem, que não permite a análise dessas substâncias e, por isso, dificulta um pouco o andamento dos projetos, segundo a coordenadora.
Texto: Paula Pimenta