Peixe-anual Neofundulus paraguayensis

Pesquisadores disponibilizam acervo fotográfico de peixes do Mato Grosso do Sul

Mato-grosso Hyphessobrycon eques

Projeto de extensão Peixes do Mato contempla ações de divulgação científica e até o fim do ano serão mais de 300 fotos disponíveis no acervo

O Dia do Biólogo é celebrado neste domingo, 3, e foi a data escolhida para o lançamento da ação de extensão Disponibilização de acervo fotográfico de peixes de MS à comunidade científica internacional. A iniciativa é feita por um grupo de pesquisadores, liderado pelo professor do Instituto de Biociências (Inbio) Paulo Robson de Souza.

Além de disponibilizar gratuitamente as fotografias de espécies encontradas em Mato Grosso do Sul, o projeto contempla outras ações para auxiliar na divulgação científica. “Eu e uma equipe de profissionais especialistas em taxonomia de peixes de água doce e ecologia de ambientes aquáticos organizamos as fotografias e as informações, em português e inglês,  sobre as espécies. O objetivo é disponibilizar à comunidade científica internacional e ao público em geral, parte de um acervo fotográfico de peixes do Pantanal e Cerrado de Mato Grosso do Sul, produzidos sob condições que reproduzem os ambiente naturais de ocorrência, bem como informações da história de vida das espécies”, explica Paulo.

O projeto passou a ser chamado, carinhosamente, de Peixes do Mato. A iniciativa tornará disponível à comunidade científica internacional, divulgadores científicos, educadores, jornalistas e público em geral, parte substancial do acervo fotográfico de peixes do Pantanal e outras sub-regiões de Mato Grosso do Sul. “[São] registros que realizei sob condições naturais ou com o emprego de aquários que reproduzem seus ambientes de ocorrência, pondo em evidência as cores naturais, comportamentos e movimentos típicos das espécies fotografadas. Isto é importante porque, geralmente, publicações especializadas usam fotos de peixes mortos e fixados, sem coloração, devido à dificuldade de obtenção de registros naturalísticos”, complementa o coordenador, que tem fotografado os peixes desde 1993.

Fotos e textos estão disponíveis para download e uso não comercial por qualquer pessoa

Ele detalha que, para o registro, aquários são especialmente montados com substratos e plantas aquáticas do próprio local de coleta. “Tal acervo é incomensurável, principalmente com o advento da fotografia digital. Mas é possível uma aproximação: considerando as fotografias em filme diapositivo (slide) e em suporte digital, é provável que o acervo contemple aproximadamente 50 espécies que ocorrem em nossa região, sendo que até o momento a equipe contabilizou alguns registros fotográficos raros – não que essas espécies sejam de ocorrência rara, mas desconhecemos que tenham sido fotografados exemplares in vivo”, destaca. As espécies a que ele se refere são: Schizodon isognathus, Hypostomus margaritifer, Austrolebias ephemerus, Trichomycterus dali e ao menos seis espécies de Melanorivulus, gênero conhecido por abrigar espécies com elevado grau de endemismo e cores vibrantes.

O acervo será disponibilizado na plataforma iNaturalist. “Trata-se de um repositório de ciência cidadã de alcance mundial que disponibiliza fotografias e dados associados para uso não comercial, sem necessidade de autorização prévia dos autores”, fala.

A plataforma é uma iniciativa conjunta da Academia de Ciências da Califórnia (EUA) e da National Geographic Society. “Cada uma das observações no iNaturalist podem contribuir para a conservação da biodiversidade, ao compartilhar suas descobertas com repositórios de dados científicos como Global Biodiversity Information Facility para auxiliar cientistas do mundo a encontrar e utilizar os seus dados”.

Cada uma das espécies publicadas é confirmada por três ou mais especialistas associados à plataforma. “Os especialistas espontaneamente confirmam as espécies publicadas, o que a plataforma chama ‘grau de pesquisa’ quando se atinge o consenso positivamente”, reforça Robson.

Além dele, integram a equipe do projeto os professores do Câmpus de Três Lagoas, Fernando Rogério de Carvalho; e do Inbio, Karina Keila Tondato-Carvalho; do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Conservação e da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Yzel Rondon Suárez; além dos doutorandos Douglas Alves Lopes (PPG Biodiversidade/Unesp/Ibilce) e Adriana Maria Espinóza Fernando (PPG Ecologia e Conservação/UFMS), do mestrando Rafael Nunes de Souza (PPG Biologia Animal/UFMS) e dos acadêmicos de Ciências Biológicas do Inbio, Gabriel Aristimunho e Amanda Almeida.

Austrolebias ephemerus

Importância

O coordenador do projeto detalha que é frequente, no meio acadêmico especializado em pesquisas ictiológicas, o uso de desenhos e fotografias de exemplares de peixes conservados em coleções zoológicas para ilustrar artigos científicos, livros, pôsteres, aulas, palestras e conferências. “Isso se dá, provavelmente, pelas dificuldades técnicas de obtenção do registro de animais vivos – o que inclui viagens, mergulhos com equipamentos especiais ou a coleta e manutenção dos exemplares em boas condições sanitárias em aquário, além da complexidade inerente esse tipo de fotografia – e, por outro lado, pela praticidade de se fotografar animais de coleção a qualquer tempo”, explica.

Paulo Robson reitera que a importância da fotografia de animais vivos pode ser exemplificada por um trabalho recente: o livro Guia ilustrado dos peixes do Pantanal e entorno, publicado pelo Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul. “Das 386 espécies fotografadas somente algumas das fotografias são de exemplares fixados em meio líquido. Ainda, foi necessário arregimentar dezoito autores de fotografias para se chegar a esse resultado, o que demonstra a importância de se disponibilizar um acervo de imagens como ora propomos”, justifica.

Corydoras hastatus

“Embora a fotografia de exemplares fixados tenha importância fundamental à taxonomia, especialmente para representantes de espécies extintas ou nunca mais coletadas, as substâncias empregadas na preservação dos peixes, geralmente formol e álcool, alteram suas cores, enrijecem os tecidos dos exemplares conservados, lhes tiram o brilho e o viço. Ao contrário, peixes quando fotografados em meio subaquático ou em aquários que simulam os ambientes de ocorrência, não apenas manifestam suas cores naturais, como realizam movimentos e comportamentos típicos que, combinados, podem manifestar ou realçar padrões de cor temporários, por exemplo quando em comportamento reprodutivo”, completa.

Paulo acredita que a qualidade das fotografias publicadas é indicada pela experiência e resultados acumulados. Ele obteve em concursos de fotografia de âmbito nacional, menção honrosa no 8º concurso Banco BBA-Creditanstalt de fotografia, Banco BBA Creditanstalt (2002), foi um dos vencedores do Concurso In Foco de Fotografia Científica, SBPC – Revista Ciência Hoje (1999) e o obteve o 3º lugar no 2º Prêmio Fotografia-Ciência e Arte, categoria Ambiente externo, fotografia “Minha casa foi alagada”, CNPq (2012). “Quanto ao uso de fotos de nossos peixes, contabilizamos pelo menos dois livros: Nos jardins submersos da Bodoquena – guia para identificação de plantas aquáticas de Bonito e região e Biodiversidade do Complexo Aporé-Sucuriú – subsídios à conservação e manejo do bioma Cerrado, da Editora UFMS; além de um calendário de mesa para a Fundect,  Peixes Ornamentais – Conheça a Biodiversidade de Mato Grosso do Sul; um artigo na revista Ciência Hoje das Crianças; o jogo Dominó Vertebrados no Pantanal e  o álbum de figurinhas Maravilhas da Bacia do Apa: livro de figurinhas de plantas, bichos, ambientes e paisagens, também pela Editora UFMS; além de uma coleção de cartões postais educativos dentro do projeto Rede Aguapé de Educação Ambiental.

“Um dos destaques dessas produções é a série de selos ‘Peixes do Pantanal’ – um projeto de autoria do jornalista Pedro Espíndola. A série foi lançada pelos Correios em evento filatélico na China em 1999 e no evento de inauguração da pedra fundamental do então denominado Aquário Pantaneiro – hoje Bioparque Pantanal -, no Museu José Antônio Pereira, nas festividades do centenário de Campo Grande”, explica Robson. De acordo com o professor foram três milhões de selos.

Melanorivulus rossoi

Paulo Robson já disponibilizou na mesma plataforma 321 fotos georreferenciadas de 44 espécies de formigas, com informações básicas sobre o local e o comportamento documentado, empreendida durante o seu pós-doutorado na Universidade Estadual de Santa Cruz em 2021, dentro de um projeto maior de divulgação científica sob supervisão do eminente zoólogo Jacques Delabie.

Processo de produção do acervo

O coordenador do projeto explica que a seleção das fotos é feita a partir de dois lotes: registros fotográficos de 1993 até, aproximadamente, 1999, no suporte dispositivo; e fotos em suporte digital, a partir do ano 2000. De acordo com o pesquisador, a seleção segue critérios como:  qualidade do registro fotográfico (foco, posição dos animais, enquadramento, iluminação); possibilidade de observação de caracteres diagnósticos ou de importância para estudos de história natural e comportamento (dentes, escamas, coloração entre outros); aspectos importantes para as observações, como a presença de casais, formação de cardumes, entre outras.

Xenurobrycon macropus

Já os textos são elaborados em português e inglês, com base em informações científicas da literatura, com o principal objetivo de evidenciar informações relevantes sobre taxonomia, história natural e/ou comportamentos, passíveis de serem observados nos registros fotográficos. “As fotos selecionadas, depois de georreferenciadas e revisados os respectivos textos contendo informações bilíngues sobre taxonomia e comportamento das espécies fotografadas, são depositadas no iNaturalist. Cada postagem, denominada ‘observação’ pelo iNat, é composta de uma ou mais fotos sequenciais do mesmo indivíduo (ou indivíduos da mesma coleta). Opcionalmente, publicaremos mais de uma observação por espécie, sempre com o mesmo indivíduo em caso de fotos sequenciais. Ainda, diversas dessas publicações podem ser caracterizadas como nótulas, ou seja, contem observações de campo e, provavelmente, algum conhecimento científico inédito”, detalha Robson.

O projeto também conta com um perfil no Instagram e um linktree (uma espécie de índice on-line de vários links para acesso a notícias e publicações da equipe). “Por esses instrumentos, temos como auferir o número de visitas, bem como disponibilizarmos um questionário para avaliarmos a qualidade das fotos e textos que disponibilizamos no iNaturalist, ou ainda averiguarmos o uso do material em publicações voltadas à divulgação científica, palestras, treinamentos on-line e outros”, finaliza o coordenador.

Confira o acervo

Para ver o acervo de peixes e também de outras espécies, clique aqui.

 Texto: Vanessa Amin

Fotos: Acervo do Projeto Peixes do Mato/Paulo Robson de Souza