Pesquisadores de Chapadão do Sul mapeiam fluxo de carbono nos três biomas do estado

Projeto financiado pela Fundect-MS foi destaque na Semana Oficial de Engenharia e Agronomia

A presença do dióxido de carbono (CO2) na atmosfera é fundamental para a manutenção da vida na Terra, pois ele é responsável pelo aprisionamento da temperatura. Porém, nos últimos anos, o aumento da concentração desse e de outros gases poluentes têm provocado um desequilíbrio termodinâmico, afetando o clima e aumentando a temperatura média do planeta.

Pesquisadores Paulo Eduardo Teodoro e Carlos Antonio da Silva Junior em coleta de dados na área de eucalipto

Para retomar esse equilíbrio, governos e representantes do setor produtivo, especialmente, vem adotando a medida carbono neutro, por meio de estratégias de compensação que promovam a absorção e remoção do gás carbônico da atmosfera. Para entender melhor como se dá o fluxo de carbono em Mato Grosso do Sul, o pesquisadores estão realizando estudos para mapear o gás carbônico nos três biomas presentes no estado – Pantanal, Mata Atlântica e Cerrado. A pesquisa conta com financiamento da Fundação de Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia (Fundect-MS), do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul, por meio da Chamada Carbono Neutro, uma iniciativa inédita no país, lançada em 2021. Sob coordenação de Paulo Eduardo Teodoro, do Câmpus de Chapadão do Sul (CPCS) da UFMS, em conjunto com Carlos Antonio da Silva Junior, da Universidade Estadual de Mato Grosso (Unemat) – Câmpus de Sinop, o projeto recebeu R$999.512,50 da Fundect-MS e foi executado com auxílio financeiro da Unemat/Câmpus de Sinop de mais de R$20.000,00 para despesas da viagem para coleta dos dados in loco.

Em cada um dos biomas, são avaliados quatro diferentes usos e ocupação do solo – vegetação nativa, pastagem, cultura de soja e eucalipto. De acordo com Paulo, o objetivo é identificar quais atuam como fontes e/ou sumidouros das emissões de carbono e, com os dados obtidos, criar um modelo matemático preciso para uso via satélite. Ele destaca que o solo tem grande importância no ciclo do carbono porque é tido como seu maior reservatório, mas isso depende de fatores como a cobertura vegetal, tipos e práticas de manejo. “Os estoques de carbono no solo são indicadores-chave em termos de mudança climática, por isso é importante termos estudos científicos de como acontece o fluxo de CO2 em cada um dos nossos biomas e nas principais culturas econômicas do nosso Estado”, detalha.

A professora do CPCS Larissa Pereira Ribeiro Teodoro também integra o grupo de pesquisadores. Ela explica que geralmente a vegetação nativa é vista como um sumidouro de CO2 por ser um solo que nunca foi mexido, com uma microbiota muito rica que contribui para absorção de carbono pelo solo. “Quando há ação humana, quando o solo é revolvido, fica mais exposto e libera mais dióxido de carbono para atmosfera, por isso, teoricamente, a agricultura e a pastagem são as atividades agrícolas que mais liberam CO2. O objetivo da nossa pesquisa é quantificar isso nos biomas Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica”, diz a pesquisadora.

Curva espectral do solo

O trabalho de coleta de dados e amostras de solo a campo contou com uma equipe de 15 pessoas, entre pesquisadores e estudantes de pós-graduação. Durante 13 dias seguidos, eles fizeram uma jornada a três municípios: Deodápolis, região Sul do Estado, onde há resquícios de Mata Atlântica, Aquidauana, início do Pantanal e Chapadão do Sul com sua extensa área de Cerrado. Em cada um destes locais foram selecionadas áreas de vegetação nativa, de pastagem e eucalipto que tinham o mesmo uso e ocupação de solo por pelo menos quatro anos. No caso da agricultura, foram escolhidas áreas com cultivo de soja durante a safra com histórico de pelo menos quatro anos-safras. Nestas áreas, as avaliações ocorreram durante o pico vegetativo da cultura, aproximadamente 60 dias após a emergência.

Nesta parte do estudo os pesquisadores contaram com equipamentos de última geração, o EGM-5 e FieldSpec 4, que somados custam mais de 100 mil dólares. Larissa Teodoro explica que os aparelhos possibilitam a construção da curva espectral do solo, além de medir a temperatura, umidade e fluxo de CO2. “Ele mede a radiação solar que incide sobre o solo. Quando a luz do sol toca a terra, uma parte dela é absorvida e a outra refletida. E todos os elementos químicos ali presentes têm uma reflectância, uma assinatura espectral, entre eles o CO2, o que nos permite medir o quanto de carbono está sendo emitido”, comenta a pesquisadora.

Segundo os pesquisadores, em cada um dos três biomas e usos e ocupações foram medidas as curvas espectrais e coletadas 200 amostras de solo, em duas profundidades, para avaliar a emissão e o estoque de carbono. No total foram 1,2 mil amostras encaminhadas para laboratório. Resultados importantes revelados pelo estudo apontam que o eucalipto, independente do bioma, é a cultura que menos emite CO2, até mesmo quando comparada com a vegetação nativa, e a pastagem é a que mais emite. “Os dados de estoque de carbono ainda estão sendo processados para cálculo do balanço final. Conhecendo esse balanço final em cada uso do solo, o Estado pode traçar estratégias para minimizar as emissões de carbono de Mato Grosso do Sul, buscando um equilíbrio entre nossas principais culturas econômicas’, pontua Paulo Eduardo Teodoro

A fase de coleta de amostras de solo nos três biomas já foi concluída e as análises em laboratório estão em fase final. O próximo passo do estudo, que será realizado pelos membros do Geotecnologia Aplicada em Agricultura e Floresta da Unemat, é a criação de um modelo matemático e sensoriamento remoto que permita fazer medições em larga escala e com baixo custo.

“Hoje a forma convencional de medir a emissão de CO2 do solo exige equipamentos de alto custo, além de demandar muito tempo e mão de obra, especialmente em grandes áreas. Os modelos espectrais, que associam sensoriamento remoto e modelagem matemática, vão tornar isso mais fácil e acessível”, comenta Teodoro. Além de Paulo e Larissa da UFMS e Carlos da Unemat, integram o grupo os pesquisadores Fernando Saragosa Rossi, Rafael Felippe Ratke, João Lucas Gouveia de Oliveira, Natielly Pereira da Silva, Fábio Henrique Rojo Baio, do CPCS/UFMS; Dthenifer Cordeiro Santana e Izabela Cristina de Oliveira, da Universidade Estadual Paulista; e João Lucas Della Silva e Francisco Eduardo Torres da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.

Para o diretor científico da Fundect, Nalvo Franco de Almeida Júnior, o projeto é importante para estabelecer a relação de causa e efeito das emissões de carbono em MS. “Este projeto certamente levará a uma consistente relação de causa e efeito entre as variáveis para que seja possível modelar o balanço de carbono nos usos e ocupação do solo nos diversos biomas do Estado, permitindo a elaboração de uma plataforma para divulgação dos dados obtidos”, avalia Nalvo.

Destaque Nacional

O projeto foi destaque na 78ª Semana Oficial de Engenharia e Agronomia, que aconteceu em Gramado (RS), no mês passado. O evento tinha como temática as mudanças climáticas, com palestrantes nacionais e internacionais. A pesquisa foi selecionada em primeiro lugar entre os 24 trabalhos participantes do Congresso Técnico que integra o evento e abre espaço para apresentação de trabalhos científicos. “Escolhemos o título – Estratégias para tornar MS carbono neutro até 2030 – e o estudo chamou atenção por ter a pesquisa aplicada para apontar uma solução”, explica Paulo

Paulo destaca a importância do investimento do governo do Estado, via Fundect. “Ciência e política devem caminhar juntas para solucionar os problemas da sociedade. A Fundect fez a primeira Chamada Carbono Neutro do país e hoje é exemplo para outras fundações de apoio, por isso sinto orgulho enquanto sul-mato-grossense, de Aquidauana, enquanto cientista, poder estar em um Estado que valoriza a pesquisa”.

 

Texto: Vanessa Amin e Maristela Cantadori/Fundect-MS
Fotos: Acervo Pesquisador