Pesquisa mira a expressão da ciência nas políticas públicas relativas à obesidade no Brasil, Estados Unidos e União Europeia

Tema universal, com dimensões além-fronteiras, a obesidade é alvo de interesse da ciência, do governo e mídia de diversos países que demonstram preocupação com esse processo que contribui para a ocorrência de doenças crônicas não transmissíveis e de outras situações-problema.

Para evidenciar os fundamentos científicos das iniciativas desses stakeholders e as interrelações entre os agentes envolvidos, o projeto de pesquisa “Expressão da ciência nas políticas públicas relativas à obesidade: um estudo cross cultural”, desenvolvido e coordenado pela professora Caroline Pauletto Spanhol Finocchio, da ESAN, quer identificar as dimensões disciplinares presentes nas publicações sobre obesidade dos governos e das mídias no Brasil, Estados Unidos e União Européia.

“Queremos verificar como a ciência tem sido utilizada pelo governo – por meio de suas políticas públicas – e pela mídia, na elaboração e divulgação de temas relacionados à obesidade. Por ser um tema multifatorial, envolvemos aí política de alimentação e nutrição, o que é muito importante por estar dentro dos objetivos do milênio para a agenda de 2030, trazendo questões como a segurança alimentar, a agricultura sustentável e o consumo mais responsável”, diz a pesquisadora.

De acordo com Caroline, é importante ressaltar a contribuição de um trabalho cross cultural para a própria ciência e para a sociedade. “Pela pesquisa é possível obter a compreensão mais profunda dos aspectos internos de cada país, e também de forma comparativa. Este projeto pode contribuir ainda para uma melhor compreensão de como a ciência tem sido utilizada na elaboração de políticas públicas relacionadas à obesidade, bem como pode ser útil para orientar os gestores públicos quanto aos investimentos em ciência e tecnologia em determinadas áreas do conhecimento”, expõe.

Aprovado no edital universal do CNPq, o projeto envolverá uma equipe multidisciplinar com a participação de professores da UFMS, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), dos professores Ana Luísa Pinto de Moura da Universidade Aberta de Portugal e Luís Miguel da Cunha da Universidade do Porto, e do acadêmico de Mestrado da ESAN Álvaro Dias.

A pesquisa, que se desenrolará em 36 meses, utilizará a técnica de text mining (mineração de texto) para análise dos documentos governamentais, da ciência e da mídia, nas três localidades escolhidas, com a utilização e apuração de publicações de artigos científicos, artigos jornalísticos, políticas públicas e de outras instituições como a Organização das Nações Unidades para Agricultura e Alimentação (FAO).

Para o Brasil e a União Europeia serão utilizados informações/publicações referentes ao espaço 2003-2016 e para os Estados Unidos 2014-2016.

Obesidade nos Estados Unidos

O tempo diferencia-se para os Estados Unidos por já ter sido objeto de estudo da professora Caroline Spanhol durante doutorado na UFRGS (2014).  A década 2003-2013 embasou a tese “Expressão da Ciência nas Políticas Públicas relativas à obesogenicidade nos Estados Unidos da América”, que teve a orientação do professor Homero Dewes, da UFRGS.

Segundo a professora, a obesidade decorre de um processo multifatorial que envolve aspectos biológicos, comportamentais e ambientais. A obesogenicidade de um ambiente seria “a soma das influências, oportunidades ou condições da vida que promovem esse ganho excessivo de peso no indivíduo e/ou populações”.

Nos Estados Unidos, a obesidade (IMC acima de 30) atingia 22,9% dos norte-americanos entre o período 1988/1994, chegando a 34,9% entre 2011/2012, sendo superior a 50% em alguns estados/cidades.

Para a tese, a professora realizou a análise documental das publicações divulgadas em meio eletrônico por cada um dos agentes, com a mineração de texto reunindo 4.648 artigos científicos disponíveis no Portal Web of Science e artigos publicados no Agribusiness International Journal e no International Food and Agribusiness Management Review no período de 2003-2013.

Em seguida foram construídos os dicionários de palavras representativos de cada dimensão disciplinar e do Agronegócio, utilizados no escaneamento dos documentos.

A base de dados foi composta ainda por 3.342 políticas introduzidas ou promulgadas pelos estados norte-americanos e 1.168 artigos jornalísticos publicados no The New York Times e no The Washington Post, além de 67 publicações da FAO.

Com o cruzamento dos dados pelo software QDA Miner, o tema foi classificado sob a perspectiva da Ciência da Vida, Ciência da Saúde, Ciências Sociais, Ciência Física e Multidisciplinar.

“Os resultados indicaram que a mídia tem enquadrado frequentemente a temática sob a perspectiva das Ciências da Saúde, seguida da Multidisciplinar e Agronegócio. Já para o governo, as dimensões disciplinares mais frequentes são Multidisciplinar, Agronegócio e as Ciências da Saúde. Na FAO, as Ciências da Saúde, Multidisciplinar e Agronegócio são as mais frequentes”, explica a pesquisadora.

Caroline destaca que “mesmo considerando as diferenças quanto ao enquadramento do tema pelos stakeholders, nota-se a existência de alguma semelhança entre esses enquadramentos, evidenciada pela similaridade entre as Ciências da Saúde, Multidisciplinar e as Ciências da Vida. Destaca-se ainda que a participação do Agronegócio é expressiva nos instrumentos políticos dos Estados Unidos, sugerindo o seu papel no crescimento da obesidade coletiva e na sua responsabilidade frente à desejada reversão dessa tendência mundial”.

A relevância científica de realizar um trabalho de pesquisa dessa natureza, enfatiza a pesquisadora, envolve esforços para buscar soluções para o complexo problema da obesidade. “Além disso, a pesquisa tem em essência os ideais da internacionalização e da construção conjunta de conhecimento”, completa.