Mato Grosso do Sul é um dos estados com biomas de maior biodiversidade do país, abrangendo vegetações como o Cerrado, a Mata Atlântica, o Chaco e o Pantanal. Com câmpus em 10 municípios, a UFMS está inserida neste contexto e fomenta ativamente a preservação do meio ambiente do estado. A Cidade Universitária, por exemplo, se destaca pela arborização e, foi pensando nisso que o professor da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia (Faeng), Antônio Conceição Paranhos Filho, decidiu criar o projeto de pesquisa Árvores Notáveis. A iniciativa abrange a identificação dos exemplares por meio de placas e originou até um livro digital, para utilização nas escolas.
De acordo com o coordenador do projeto, a ideia não partiu apenas dele, mas sim de uma paixão por árvores da servidora da Faeng e bióloga, Jackeline Maria Zani Pinto da Silva Oliveira, que sempre destacou a importância de valorizar cada espécime presente na UFMS. “Temos exemplares arbóreos lindos, a ideia do projeto é identificar esses exemplares como uma forma de valorizá-los. O ato de mapear e destacar essas árvores serve para enriquecer o ambiente educativo da Universidade. Isso cria um ambiente propício para sensibilização ambiental, por meio do compartilhamento de informações sobre as espécies presentes”, explica.
Com a intenção de valorizar o patrimônio ambiental da Cidade Universitária, o coordenador do projeto se uniu a estudantes e servidores, para traçarem, juntos, as melhores ferramentas para obter esse resultado, ainda em 2018. A ação foi contemplada com financiamento da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul no ano seguinte, mas a pandemia da Covid-19 impactou diretamente no trabalho da equipe.
Em 2021, durante o mestrado no Programa de Pós-Graduação em Tecnologias Ambientais, o arquiteto e urbanista Luã Gustavo da Silva Tachibana, ao lado da equipe do Laboratório de Geoprocessamento para Aplicações Ambientais (LabGis), decidiu retomar o projeto. Mas como fazer para que as árvores da Cidade Universitária fossem catalogadas? E quais seriam os critérios para catalogar esses exemplares?
Segundo Luã, o conceito árvore notável ainda não é trabalhado amplamente ao redor do mundo, por isso foi preciso que os estudantes do LabGis se debruçassem em estudos e pesquisas, tanto no Brasil, quando em outros países, para que assim conseguissem determinar quais árvores deveriam ser consideradas notáveis ou não. “Quando pesquisamos o termo árvore notável ou até mesmo a característica ‘notável’, em algum estudo de árvores, vemos de uma forma muito indefinida. Os pesquisadores utilizam o termo ‘notável’ ou notabilidade de alguma árvore para dizer de alguma característica, mas não é um conceito definido. Isso é legal, porque acaba que no meu mestrado eu conceituo algo que não existe nacionalmente ou internacionalmente, que são as árvores notáveis“.
“O que é notável para mim, pode não ser para você”
De acordo com o pesquisador, uma árvore notável é um exemplar ou um conjunto de exemplares dentro da cidade, ou próximo à área urbanizada, que tenha características de relevância biológicas, físicas ou culturais, dadas por um grupo de pessoas. Ou seja, dentro da Cidade Universitária, os participantes do projeto de pesquisa buscaram localizar quais seriam essas árvores que se destacam no contexto urbano, seja por questões ecológicas, biológicas, culturais, medicinais, nutricionais, religiosas ou até mesmo por características físicas, como tamanho e porte.
Depois de localizadas as supostas árvores notáveis, o grupo precisa entrar em um consenso se, de fato, os exemplares possuem notabilidade e em quais critérios seriam inseridos. A meticulosidade não é à toa, Luã reforça que nem sempre o que é notável para um indivíduo, necessariamente é para outro. “Normalmente, uma árvore notável é uma espécie que tem valor patrimonial, de patrimônio ambiental. Não precisamos ir muito longe para ver o que é uma árvore notável ou não, porque já tem bastante suporte. O que a gente precisa fazer, e o que a gente fez, foi criar métodos de identificação que sejam mais palpáveis à população. Outras características são as características culturais, então, ela serve de alimento? Ela é bonita, é bela? Ou é utilizada em algum rito religioso? Isso aí já faz com que consigamos traçar como um indicativo de uma árvore notável“.
Mas mapear os exemplares, principalmente dentro da dissertação do mestrado, não foi uma tarefa simples. Isso porque, além do olhar humano, ainda era necessário trabalhar a questão a partir de três eixos específicos: florestas urbanas; percepção ambiental; e, por fim, tecnologias para fazer o correto registro das árvores. “Selecionamos em torno de 460 trabalhos nacionais, para ver o que os pesquisadores falam de florestas urbanas e tecnologias. Identificamos que ninguém, ou quase ninguém, trabalha com a parte sensorial e perceptiva. E como estamos falando de tecnologia, que é um pouco mais tradicional e exato, vemos poucos estudos que abrangem uma percepção, um olhar mais humano dessa relação”.
A nível internacional, os estudantes se depararam com exemplos de prefeituras que trabalham o conceito de notabilidade dos exemplares em suas cidades, com apoio da população. Porém, não empregavam tecnologia para mapear as árvores, demonstrando uma lacuna nas pesquisas ao redor do mundo. Dessa forma, a equipe do LabGis, sob coordenação do professor Antônio, determinou o que seria uma árvore notável, e o estudante Luã destrinchou o tema em sua dissertação de mestrado.
“A notabilidade arbórea abrange três dimensões – relevância cultural, relação ecológica e características físicas – sendo valorizada pela frequência e diversidade de percepções por indivíduos de diferentes perfis sociais”, justifica o pesquisador Luã em sua dissertação. Empregando uma metodologia dividida em cinco etapas, o grupo conseguiu localizar 70 exemplares considerados notáveis na Cidade Universitária, e que mereciam atenção da população.
O processo completo consiste em identificar as espécies, selecionar as árvores, mapear e, por fim, analisar e fazer a reflexão em equipe dos exemplares. Com o objetivo de reconhecer a floresta urbana presente no câmpus e sua contribuição ambiental, aproximando a comunidade dos valiosos recursos naturais existentes, eles decidiram documentar cada árvore em um banco de dados geográfico.
O trabalho científico dos estudantes não fica limitado à Cidade Universitária, já que a ideia é conseguir empoderar os cidadãos para identificar a notabilidade das árvores. A partir de então, surgiu a ideia de identificar as árvores mapeadas por meio de placas e, ainda, publicar um livro digital para utilização entre alunos da Educação Básica. “O livro surge como um meio de propagar a informação, a ideia foi trabalhar um viés de educomunicação, um viés de acessibilidade da informação. Então, todo o processo que eu desenvolvo no mestrado, que é um pouco mais complexo, eu adapto e faço uma linguagem mais simples, para que seja trabalhado nas escolas. A ideia é fazer essa ponte, do ensino superior para a Educação Básica, gerar um produto que seja didático, ao mesmo tempo sem ser um produto direcionado e forçado”, explica Luã.
Para o coordenador do projeto, o trabalho, desenvolvido a várias mãos, proporciona uma valiosa conexão entre o conhecimento acadêmico e a Educação Básica, criando uma ponte entre diferentes saberes e facilitando o acesso à informação. Além disso, ainda desempenha um importante papel na criação de um inventário que documenta as relações entre seres humanos e natureza no ambiente urbano e construído.
O resultado do projeto de pesquisa pode ser visto enquanto se caminha pela Cidade Universitária, com exemplares de diferentes espécies que ganharam placas de identificação. Os nomes nem sempre são conhecidos, mas a notabilidade é visível. Abricó-de-macaco, faveira, ingá, jenipapo, mulungo e muitas outras árvores são destacadas pelos seus potenciais ecológicos, culturais e/ou sociais. “Através da sensibilização da comunidade acadêmica e do público em geral, espera-se criar um ambiente mais consciente e engajado na preservação desses recursos naturais, promovendo assim uma convivência harmoniosa entre o meio ambiente e a comunidade universitária”, conclui o coordenador.
Texto: Agatha Espírito Santo
Fotos: Álvaro Herculano