Privilegiado com Cerrado, Pantanal, Mata Atlântica e Chaco, o estado de Mato Grosso do Sul é habitat de numerosas espécies de vertebrados. Muitos desses animais, acuados pela urbanização, acabam por ter de sobreviver em meio antropizado, por vezes suscetíveis a riscos maiores.
Diante dessa situação, pesquisadores da UFMS querem agora descrever o uso do microhabitat por anfíbios e répteis no município de Campo Grande. O projeto de pesquisa “História natural e ecologia de anfíbios e répteis de área urbana do município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul” tem como objetivo avaliar se a estrutura e características do microhabitat e a temperatura interferem na escolha e no seu uso por espécies de anfíbios e répteis urbanas, além de descrever aspectos ecológicos e da história natural dessas espécies na Capital.
Segundo a coordenadora do projeto, professora do Instituto de Biociências (Inbio) Vanda Ferreira, “alguns anfíbios e répteis podem, de alguma forma, sobreviver a essas condições antrópicas e conviver em sintonia com a comunidade humana na área urbana. Conviver em harmonia é almejável, mas depende da quebra de medos e mitos que envolvem esses animais, além do conhecimento e conscientização dos serviços ecossistêmicos que esses animais prestam à comunidade urbana”.
O projeto também tem como proposta realizar oficinas educativas com produção de material informativo sobre as espécies alvo, de forma a ampliar a familiarização e a conscientização da importância ecológica da fauna urbana junto aos visitantes, alunos e servidores da UFMS.
Com previsão de realização até 2021, abrangendo as estações seca e úmida, o estudo será executado prioritariamente na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN/UFMS), implantada em 2003 em Campo Grande.
“A vegetação inclui Cerrado e o Cerradão. Estão presentes regiões com clareiras em regeneração, resultado de anos de uso de pastagem por bovinos e ainda apresenta considerável grau de alteração antrópica como deposição de lixo e entulhos devido estar no campus universitário e dentro do perímetro urbano. Abrange também os cursos d’água conectados. O local é frequentemente utilizado para pesquisas de graduação e pós-graduação envolvendo diversas áreas como ecologia, biologia e engenharia”, expõe a professora.
No Mato Grosso do Sul, a herpetofauna reúne 188 espécies de répteis e 97 de anfíbios, estando 48% e 36%, respectivamente, no Cerrado. “Sua riqueza é expressiva se comparada a outros estados brasileiros, abrigando cerca de 1/3 das espécies de serpentes e pouco mais de 10% das espécies de anfíbios que ocorrem todo o Brasil”, completa Vanda.
Diante da rica biodiversidade do Cerrado e suas altas taxas de perda de habitat, se faz imprescindível, segundo os pesquisadores, ampliar as áreas de conservação, já que atualmente apenas 3% de sua área são protegidas. “Também é preciso compreender aspectos da história natural e ecologia das espécies nativas para subsidiar políticas públicas para planos de manejo para conservação ou mesmo preservação”.
Os pesquisadores escolheram algumas espécies alvo presentes na área urbana de Campo Grande para iniciar a pesquisa. Dentre elas está a jiboia (Boa constrictor), considerada uma das maiores serpentes não peçonhentas do Brasil, que pode chegar a quase dois metros de comprimento.
Segundo os pesquisadores, “algumas espécies de serpentes podem se adaptar a ambientes perturbados, principalmente quando há fragmentos ambientais, como parece ser o caso da jiboia, que pode também estar associado ao seu hábito alimentar generalista”.
Ainda participarão da pesquisa as duas espécies de jacaré presentes no Lago do Amor, parte integrante da reserva natural da Cidade Universitária – onde estima-se a existência de 25 exemplares das espécies Caiman latirostris, o jacaré-de-papo-amarelo e o Caiman yacare, o jacaré do Pantanal.
Em Campo Grande, a estimativa é de 36 espécies de anfíbios entre sapos, rãs e pererecas, número que pode ser atribuído a ocorrência de 28 córregos com nascentes e 17 áreas verdes constituídos por remanescentes de Cerrado.
“Áreas úmidas são especialmente utilizadas pelos anfíbios em decorrência de seus requisitos fisiológicos e biológicos, a exemplo do anuro Boana punctata que ocorre em vegetação associada aos cursos d’água, onde desenvolve suas atividades tais como alimentação e vocalização, entram em amplexo e depositam sua postura na água”, explica Vanda.
Para as espécies encontradas, serão registrados horário, coordenadas geográficas (com aparelho GPS); tipo de substrato, localização no substrato (e.g., altura do solo, tipo de vegetação rasteira, circunferência do galho, categoria do galho, se principal ou secundário, etc); temperaturas com uso de termômetro de leitura rápida ou de emissão de infravermelho (laser) do substrato, do ar, da superfície do corpórea; atividade desenvolvida no momento do avistamento (ativo, inativo, posição em relação ao sol, forrageando, etc.).
Todos os indivíduos capturados serão devolvidos ao local de registro após medições. Eles serão marcados com aplicação subcutânea de microchip estéril atóxico para jiboias, aplicação de brinco plástico numerado na região dorsal da cauda para jacarés e aplicação subcutânea de elastômeros fluorescentes atóxicos para anfíbios.
Com a pandemia, as atividades de campo da equipe de pesquisadores estão suspensas desde março de 2020, e as ações foram concentradas nos registros das jiboias. ”Contamos com a colaboração dos moradores da cidade e dos frequentadores do campus da UFMS para nos informar quando avistam uma jiboia” explica Vanda.
O contato é realizado por mensagens pelo WhatsApp, telefone e redes sociais, informados em placas e cartazes distribuídos pela UFMS. Assim, os animais são imediatamente resgatados pela equipe, retirados os dados morfológicos e estágio reprodutivo dos animais, marcados e soltos. Dessa forma, a população de jiboias tem sido acompanhada, mesmo nesse período.
Texto: Paula Pimenta