No Bioparque Pantanal é possível observar e conhecer mais de 380 espécies de peixes dos cinco continentes do mundo. Para que os visitantes possam interagir e aprender sobre os animais, as espécies são identificadas pelo nome. Mas, para algumas pessoas, a experiência pode ser limitada por falta de palavras, em um sentido literal. Isto porque inúmeras espécies de peixes ainda não fazem parte das línguas de sinais utilizadas por indivíduos surdos, onde a comunicação ganha contornos por meio de gestos, expressões faciais e posturas corporais.
O desafio de criar e catalogar sinais, promover a acessibilidade e incentivar métodos de comunicação alternativos na ciência foi abraçado por pesquisadores da UFMS e pela equipe do Bioparque Pantanal, que executam o projeto desde junho de 2023. A partir da junção da ictiologia, o estudo dos peixes, e da linguística, o estudo das palavras, surge a Ictiolinguística, nome dado à pesquisa.
Ao longo de um ano, já foram catalogados 67 sinais de peixes. Para além da Língua Brasileira de Sinais (Libras), o projeto engloba ainda a criação na Língua Americana de Sinais (ASL) e nas Línguas Indígenas de Sinais. Todo o processo é feito de forma colaborativa, envolvendo intérpretes do Bioparque Pantanal e demais pesquisadores do Núcleo de Pesquisa e Tecnologias do local.
A coordenadora da pesquisa e professora da Faculdade de Educação, Shirley Vilhalva, sente em seu cotidiano a importância de poder dar nome às coisas. A pesquisadora, que é surda e atua no desenvolvimento e fortalecimento das línguas de sinais, ressalta a relevância do trabalho desenvolvido pela UFMS e o Bioparque.
“Isso vai contribuir para toda a comunidade surda, mundialmente falando, porque esses sinais, que ainda não existem, serão incorporados à língua de sinais e livres para uso. Enquanto professora, eu penso na área do ensino. Com todo esse processo a gente vai contribuir para biologia de uma forma geral, para todos os surdos que quiserem estudar biologia e também para as crianças surdas compreenderem palavras como pacu, lambari, assim como as crianças ouvintes”, avalia a pesquisadora.
O projeto é realizado por etapas, sendo a primeira delas uma pesquisa sobre as espécies a serem catalogadas e a busca por sinais correspondentes. “Eu preciso realmente aprender [sobre o peixe estudado], saber qual a sua origem e se já há algum sinal que corresponda à espécie. A gente precisa ter um sistema de organização, de pesquisa e de busca para conseguir encontrar o sinal, precisa pesquisar em outras regiões do mundo já que temos peixes de vários lugares aqui. Mas nós encontramos muito pouco, às vezes nenhum”, explica a pesquisadora.
O exercício da observação atenta das características físicas e comportamentais dos peixes, também chamada dentro do projeto de sinergia, é uma das principais ferramentas da metodologia adotada. É a partir da identificação de características marcantes que os sinais são criados pela equipe de pesquisadores.
“A gente busca captar detalhes da espécie, como pintas, marcas, listras, se tem uma barbatana de um modo diferente, como que essa barbatana está no peixe, como ela se movimenta, se o queixo dele é projetado para frente, como é o caso da piranha-queixuda. Então várias características próprias do peixe são observadas”, conta a professora Shirley. A partir da observação constante e atenta, a pesquisadora compreendeu que, diante de certos movimentos feitos com suas mãos, os animais se tranquilizavam e, curiosos e atentos, aproximavam-se dos vidros dos aquários. Assim, a observação mútua permite o avanço da pesquisa.
Atualmente, o projeto se encontra na fase de criação dos sinais e catalogação por meio de vídeos. Em etapas posteriores, os sinais criados devem passar por uma banca avaliadora formada por outros pesquisadores surdos, que validam sua utilização e elaboram uma versão final de forma lexical, ou seja, a partir do conjunto de palavras já existentes.
A intérprete de Libras do Bioparque Pantanal e uma das integrantes do projeto, Beatriz Marques Lunardi, explica que a dificuldade com a falta de sinais foi identificada no cotidiano, durante visitas guiadas com indivíduos surdos. “A gente percebeu como é muito difícil na hora de fazer uma interpretação porque temos muitos peixes que desconhecemos os sinais na língua de sinais, em Libras. Então, em uma conversa da diretora [do Bioparque, Maria Fernanda Balestieri] com os profissionais intérpretes, a gente contou isso para ela. Foi a partir dessa conversa que ela teve a ideia do projeto e fez a proposta para a UFMS, que felizmente aceitou”.
A partir do projeto, o intuito é criar um catálogo que será incluído nas visitações guiadas e, posteriormente, disponibilizado para o público em geral. “O que eu considero mais importante é poder contribuir para o surdo que vem fazer a visita. Muitas vezes ele não conhece aquele peixe, então ele vai conhecer visualmente e vai se apropriar da própria língua. […] Isso contribui para gente como intérprete, para a comunidade surda e para o próprio Bioparque”, explica a intérprete.
“Essa é uma pesquisa nova, que tem muito poder acadêmico, poder dentro da sociedade. Os sinais do Bioparque podem ser adotados por um estado, por uma cidade, por uma aldeia indígena, toda comunidade vai se beneficiar. Aqui é um lugar que tem bastante visibilidade para um trabalho de pesquisa como esse, assim como a UFMS, que é um espaço que viabiliza pesquisas que mudam e engrandecem a sociedade, que permite a gente manter a língua de sinais viva”, finaliza a professora Shirley.
Para mais informações sobre a pesquisa desenvolvida pela UFMS em parceria com o Bioparque Pantanal, ouça o podcast UFMS é Aqui. O programa é vinculado nas quartas-feiras, às 18h, na Rádio Educativa UFMS 99.9 e disponibilizado posteriormente no Spotify.
Texto e fotos: Alíria Aristides