A representação social de profissionais e mulheres submetidas ao abortamento legal em hospital referência no Estado e os motivos que levaram essas mulheres a interromper a gestação é tema de pesquisa exploratória desenvolvida em Campo Grande.
A pesquisa está sendo realizada com profissionais que integram a equipe para o aborto legal no Mato Grosso do Sul, que envolve médicos, psicólogos, assistentes sociais e profissionais da enfermagem, que atuam no hospital de referência, e traz uma análise de suas atuações diante do cumprimento legal da prática – autorizada em lei para casos específicos.
“Propusemos-nos a estudar os motivos de mulheres recorrerem ao aborto no Estado, visando identificar se há necessidade insatisfeita de planejamento familiar”, diz o professor da Famed Sebastião Junior Henrique Duarte, que orienta a pesquisa da mestranda em Enfermagem Mirian Yuriko Girata.
A pesquisa está alinhada com a agenda 2016-2030 da Organização das Nações Unidas, que possui 17 objetivos de desenvolvimento sustentáveis. O objetivo 3 visa “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades” e possui 9 metas, sendo o item 3.7 “assegurar o acesso universal aos serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo o planejamento familiar, informação e educação, bem como a integração da saúde reprodutiva em estratégias e programas nacionais”.
No Brasil o aborto é considerado crime, exceto em três situações: quando a gravidez é resultado de violência sexual (aborto humanitário), quando o feto é anencéfalo (anomalia incompatível com a vida) e quando a gestação oferece risco à vida da mãe (aborto terapêutico). Nesse sentido, a pesquisa tem relevância social, pois apontará os principais motivos da decisão pelo aborto por mulheres sulmatogrossenses.
O professor afirma que essa é uma temática que precisa ser mais amplamente estudada, considerando que o aborto figura entre as principais causas de mortalidade materna. “Se por um lado a mulher tem direito de optar se quer ou não abortar, por outro acreditamos que muitas delas são desinformadas, e poderão ter dupla sequelas, já que a maioria o faz por gravidez decorrente de violência sexual. A literatura também aponta que muitas mulheres optam pelo aborto como meio de regular a procriação, demonstrando o desconhecimento ou a limitação de acesso aos diversos métodos de planejamento familiar”, expõe o professor.
Conflitos
Após ouvir os profissionais que atuam na equipe de aborto legal, os pesquisadores perceberam que esse grupo também convive com conflitos. Apesar de só fazerem abortos nos casos amparados em lei, muitos afirmam ter de encarar um dilema ético e até mesmo social.
No hospital, a mulher que deseja abortar passa por atendimento com psicólogo, assistente social e médico. Os profissionais se reúnem e discutem o caso. Se ficar evidente que houve a violência sexual, ou nos demais casos previstos em lei, o aborto é realizado pelo SUS, desde que se respeite o prazo máximo de 22 semanas de gestação.
“Mas quando há contradição, a equipe opta por não realizar o abortamento. Além disso, eles sempre procuram mostrar às mulheres que existem outros caminhos, como a manutenção da gravidez, acompanhamento com pré-natal e entrega da criança para adoção pós-nascimento. Esse ano, duas mulheres desistiram de abortar após passarem pela equipe”, relata o professor Sebastião.
Tudo isso indica, segundo o professor, que a questão não se restringe simplesmente a regularização ou legalização do aborto e ele espera que a pesquisa oriente novas políticas sobre o tema, principalmente medidas mais efetivas para a proteção contra a violência sexual. “É inadmissível uma mulher ter que ir para o trabalho na madrugada ou a noite e ser abusada sexualmente nos locais públicos, como a rua e pontos de ônibus”.
Outra informação da pesquisa refere a redução do abortamento em mulheres que têm acesso ao planejamento familiar, mesmo em países onde o aborto é legalizado. “Precisamos trabalhar para que mulheres e homens sejam melhor orientados e que tenham acesso aos diversos métodos de planejamento familiar, visto que muitos casos de mortalidade materna estão relacionados ao aborto realizado de forma perigosa como forma de controle familiar. A educação sexual e reprodutiva é um dos principais caminhos no enfrentamento do aborto enquanto meio de controlar a procriação”, aponta o orientador.
Para o professor Sebastião, é fundamental a inclusão da educação sexual e reprodutiva no âmbito das escolas. “Muitas meninas começam a menstruar sem estar preparadas para essa fase da vida. Além disso, não podemos negar o início precoce da atividade sexual e o número considerável de crianças e adolescentes grávidas, pois há casos de parto em meninas com 10 anos de idade. Então, a situação da gravidez não planejada sempre esteve presente em nosso meio. Precisamos orientar meninas e meninos sobre a saúde sexual e reprodutiva, acredito que essa seja outra estratégia para a redução de abortos, principalmente na situação clandestina.