Pesquisa comprova competência do flebotomíneo Lutzomyia cruzi para transmissão do protozoário Leishmania infantum

O flebotomíneo Lutzomyia cruzi foi confirmado como vetor do protozoário Leishmania infantum, agente etiológico da leishmaniose visceral, e como vetor permissivo para Leishmania amazonensis.

Essa comprovação inédita, realizada durante o doutoramento de Everton Falcão de Oliveira, que é egresso da UFMS, levou o artigo “Experimental infection and transmission of Leishmania by Lutzomyia cruzi (Diptera: Psychodidae): Aspects of the ecology of parasite-vector interactions”, publicado no periódico PLOS Neglected Tropical Diseases, com coautoria de técnicos e docentes da UFMS, a ser premiado com a segunda colocação na chamada PLOS Collection WordlLeish-6.

Esta edição especial da Public Library of Science (PLOS) elegeu os dez artigos de maior relevância sobre o complexo de doenças leishmanioses publicados nos periódicos PLOS entre janeiro de 2016 e junho de 2017. A premiação é composta de uma carta de crédito para futura publicação nas revistas do grupo.

Everton Falcão realizou o Doutorado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade São Paulo (FSP/USP), com orientação da professora Eunice Aparecida Bianchi Galati do Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública (FSP/USP), com colaboração e apoio da professora Alessandra Gutierrez de Oliveira (Inbio) e do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias (PPGDIP/UFMS), onde fez o Mestrado.

A pesquisa foi contemplada com financiamento da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

“Sabíamos da importância dos resultados para a saúde pública, para as medidas de controle e prevenção, mas não esperávamos a premiação”, disse Everton Falcão.

Para a professora Alessandra, a premiação coroa todo o esforço diante de tanto tempo de pesquisa, mediante uma série de dificuldades, como as dezenas de viagens realizadas à Corumbá no período de dois anos, horas de dedicação para a colonização e manutenção dos insetos em colônia no laboratório e falta de infraestrutura. “Estamos todos muito felizes com esse reconhecimento”, completa.

Ineditismo

Até então, no Brasil, a transmissão de Leishmania infantum estava atrelada ao flebotomíneo Lutzomyia longipalpis, uma vez competência vetorial comprovada em condições naturais e experimentais, que é um dos critérios para incriminar um inseto como vetor, só estava demonstrada para aquele flebotomíneo. “O artigo premiado descreve importantes aspectos relacionados à capacidade e competência vetorial do flebotomíneo Lutzomyia cruzi para os protozoários Leishmania infantum e Leishmania amazonensis, antes apenas suspeito da transmissão dos parasitas”, explica a professora Alessandra Gutierrez.

Todo o estudo de pesquisa, de 2012 a 2015, aconteceu em Corumbá – onde foi realizada a coleta dos flebotomíneos, e em Campo Grande, no Laboratório de Parasitologia Humana (Inbio), local de desenvolvimento dos experimentos.

“Durante dois anos fui mensalmente à Corumbá para a coleta dos flebotomíneos selvagens e cultivamos novas fêmeas (indivíduos de primeira geração) – cerca de duas mil – no laboratório para ter a certeza de que os insetos que seriam usados nos experimentos não estavam infectados”, relata Everton Falcão.

Em Campo Grande, para a infecção experimental de Lutzomyia cruzi por Leishmania infantum, 640 fêmeas de primeira geração não infectadas foram utilizadas em seis repetições do experimento de infecção experimental, também conhecida como xenodiagnóstico, com cães infectados do CCZ. Do total de fêmeas que alimentaram nos cães infectados, 10,55% adquiriram a infecção.

Outras 192 fêmeas Lutzomyia cruzi, também obtidas a partir da colônia mantida em laboratório, foram utilizadas para os experimentos de infecção experimental por Leishmania amazonensis. Neste caso, hamsters infectados pelo protozoário foram utilizados e um percentual de 41,56% de fêmeas tornaram-se infectadas, entre as aqueles que se alimentaram.

“Queríamos saber se o inseto iria se infectar a partir do cão doente e depois transmitir os parasitos para um animal sadio. Conseguimos comprovar que a espécie Lutzomyia cruzi é competente para transmitir os parasitos, seja de forma natural ou experimental em laboratório. Junto com os outros parâmetros avaliados e apresentados no artigos, podemos agora afirmar que a espécie é vetor de Leishmania infantum e apresenta caráter permissivo para Leishmania amazonensis”, afirma o pesquisador.

Alguns poucos casos de leishmaniose visceral humana e canina têm sido atribuídos à Leishmania amazonensis, mas a maioria dos casos de leishmaniose por este parasito está relacionada com a forma tegumentar da doença.

Essa descoberta possibilitará, futuramente, que políticas de controle vetorial também sejam voltadas ao flebotomíneo Lutzomyia cruzi, em especial porque o último Manual de Controle da Leishmaniose, do Ministério da Saúde, de 2006, é todo voltado para a Lutzomyia longipalpis.

“Agora que conseguimos provar que Lutzomyia cruzi também é um vetor, é hora de incluir esse inseto no planejamento e implementação das ações controle vetorial”, diz Everton.

Segundo a professora Alessandra, Lutzomyia cruzi está mais restrito a região Centro-Oeste e em alguns municípios de Mato Grosso do Sul é o flebotomíneo único ou o dominante, como em Corumbá e Camapuã.

“Esse é um inseto de difícil controle porque se cria no solo. Campo Grande, por exemplo, que tem quintais gigantes, cheio de árvores frutíferas, tem muitos locais propícios para o desenvolvimento das larvas. O interessante é que no laboratório os flebotomíneos se mostraram muito frágeis, diferentemente do que constatamos na vida selvagem”, explica a professora Alessandra.

Texto: Paula Pimenta