Apesar de graves, a notificação de acidentes com vespas no Brasil é pequena. Da listagem para designação do inseto causador de picadas constam apenas as abelhas. E essas são responsáveis por aproximadamente 18 mil casos anuais no país, número que também pode incluir os casos com vespas, já que muitas pessoas têm dificuldade em identificar qual inseto as picou.
A “Caracterização dos efeitos inflamatórios in vivo e in vitro induzidos pela peçonha da vespa Parachartergus fraternus”, espécie endêmica do Cerrado, está sendo feita pela doutoranda Jéssica de Araújo Isaias Muller, do Programa Multicêntrico em Bioquímica e Biologia Molecular (UFMS)
A vespa Parachartergus fraternus tem características únicas. São pretas, grandes e fazem um zumbido bem forte. Possuem capacidade de paralisar suas presas, geralmente artrópodes e lagartas, e ainda borrifam veneno nos olhos das vítimas quando se sentem ameaçadas, causando processo alérgico e dificultando a visão momentânea.
O perigo é quando atacam em numerosa quantidade, que ocorre quando estão na fase de enxameamento ou especialmente quando alguém perturba seus ninhos, construídos de forma a “abraçar” os galhos das árvores, localizados em áreas urbanas.
Também responsáveis pela polinização de flores, as vespas possuem hábito muito parecido com as abelhas, mas essas quando ferroam morrem, diferentemente das vespas, capazes de ferroar mais de uma vez a vítima.
Nos Estados Unidos, as vespas causam 60 mortes por ano, contra apenas seis com serpentes. “Sabe-se que alguns venenos de serpentes podem aleijar ou deixar outras sequelas, mas as vespas podem matar”, completa Jéssica
A vespa Parachartergus fraternus é um inseto social capaz de causar mortes, seja pela reação alérgica em pessoas sensíveis ou pelo ataque de muitos espécimes, que além dessa reação podem levar a danos em órgãos vitais, com rins e fígado.
Nos ensaios realizados, a pesquisadora observou que a peçonha (veneno) da vespa causa aumento da permeabilidade dos vasos sanguíneos que leva ao edema (inchaço no local). A desgranulação de mastócitos e a liberação de mediadores inflamatórios como a histamina, serotonina, prostaglandinas, óxido nítrico e leucotrienos aumentam esse efeito. Bem como, alguns desses, participam das reações alérgicas, podendo gerar um quadro anafilático.
Ainda, ocorre a migração de células inflamatórias para o local da picada a partir de meia hora e que dura até o terceiro dia após o acidente. Também estão sendo caracterizadas as vias que levam aos sintomas observados e que podem levar ao óbito em caso de envenenamento.
Estudos com parcerias
Os ninhos são formados por uma média de 1500 espécimes e a pesquisadora realizou a coleta de 500 espécimes na Universidade de Brasília, em parceria com a professora Marcia Renata Mortari, do Laboratório de Neurofarmacologia da UnB.
“O conhecimento a respeito dos efeitos desencadeados e dos compostos presentes na peçonha de Parachartergus fraternus são escassos. Ressalta-se que por ser uma rica fonte de compostos bioativos, o estudo com peçonhas atrai a atenção de pesquisadores por apresentarem um grande potencial farmacológico e terapêutico”, afirma Jéssica, orientada pela professora Mônica Cristina Toffoli Kadri, do Laboratório de Farmacologia e Inflamação (FACFAN).
A pesquisadora também trabalha com dois compostos isolados que se mostraram inibidores da dor. “É estranho pensar que um composto dentro do veneno de uma vespa pode ser analgésico, ou seja, ter efeito oposto do que pensamos”.
Os ensaios mostraram também que a peçonha não é citotóxica e que induz a produção de óxido nítrico, uma substância que pode ter efeito vasodilatador, e que pode inibir o crescimento de tumores e auxiliar no combate aos micro-organismos. Algumas pesquisas que estão em andamento buscam avaliar os efeitos dessa peçonha sobre a doença de Parkinson e no combate aos parasitas patogênicos.
A pesquisadora também tem a parceria do professor Rodrigo Juliano Oliveira (CeTroGen/UFMS) para verificar se a peçonha é genotóxica e/ou mutagênica, ou seja, se degrada o DNA. “Esse efeito já foi observado com outras espécies, que não causam danos visíveis no primeiro momento, mas que danificam o DNA e acarretam emsérias consequências futuras”, diz Jéssica.
Em outra parceria, com a professora Luciane Candeloro Portugal (Laboratório de Histologia/UFMS), será realizada a análise histológica, para verificar se o veneno provoca danos na pele e se há um processo inicial de necrose do tecido.
A doutoranda alerta ainda que em caso de picada por vespa ou abelha, com processo alérgico, é preciso procurar urgentemente o hospital. O “esperar para ver o que acontece”, em um processo inflamatório, pode causar sérios danos à vítima. O trabalho mostra as vias envolvidas na resposta inflamatória induzida pela vespa Parachartergus fraternus e, com isso, ressalta-se a importância de outros mediadores além daqueles que podem ser inibidos pelo tratamento padrão com antialérgicos (anti-histamínicos) e anti-inflamatórios (corticoides).
Assim, “os resultados obtidos no presente estudo poderão esclarecer os mecanismos de ação e a atividade biológica da peçonha relacionada aos efeitos apresentados após a picada dessa vespa e dessa forma, contribuir para a adequação da terapêutica mais indicada”, completa a doutoranda.