A história da colônia japonesa em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul tem suas raízes na chegada de imigrantes da província de Okinawa. Entre 1917 e 1919, um expressivo contingente foi trabalhar em São Paulo, enquanto outros buscavam novos horizontes em Campo Grande.
A Associação Okinawa de Campo Grande foi criada em 1922, antes da criação do estado de Mato Grosso do Sul. Mesmo diante de mudanças históricas e geográficas, desempenhou papel crucial na integração e preservação da cultura japonesa na região. A formação da Zai Haku Okinawa Kyokai, posteriormente transformada em Brasil Okinawa Kenjin Kai, reflete a resiliência da comunidade em meio às mudanças e desafios.
Em Campo Grande, a cultura nipônica mantém-se forte, ocupando um lugar especial no coração dos habitantes. Os festivais promovidos pelas associações na capital, como o Festival do Japão MS e o Bon Odori, com 37 edições, são destaques anuais.
O Bon Odori, celebrado em agosto, homenageia os antepassados, coincidindo com o Dia de Finados no Japão. A palavra Bon (盆) representa espírito e respeito à memória dos ancestrais. Já a palavra Odori está fortemente associada à tradição japonesa, na qual os participantes de festas realizam apresentações individuais para entreter a todos. Na tradição budista, a morte é vista em duas dimensões, sendo o Bon Odori, ou simplesmente Bon, uma celebração festiva e de dança coletiva para preservar e transmitir a cultura.
A dança, de raízes budistas, expressa gratidão aos espíritos ancestrais. Durante o festival, o grande salão do clube de uma das associações de Campo Grande, se enche de movimentos ao redor do “yagura“, um pequeno coreto, onde “coreógrafos”, normalmente mais experientes, demonstram os passos. Apesar de celebrar os entes queridos, o ambiente é colorido e festivo.
Com um interesse acadêmico na antropologia da arte, a estudante Glícia Aparecida Gomes Souza, orientada pela professora Maria Raquel da Cruz Duran, decidiu realizar uma pesquisa etnográfica sobre a dança do Bon Odori. O foco está na compreensão sociocultural em Campo Grande, com metodologia que inclui observação participante e método comparativo.
A pesquisa busca mapear movimentos, acompanhamentos sonoros e interações durante a dança, visando captar índices de significados simbólicos, artísticos, sociais e culturais da comunidade japonesa. O objetivo é refletir sobre características singulares dessa dança no contexto local, promovendo a valorização da cultura nipônica na região.
Segundo a professora do Curso de Antropologia Social, da Faculdade de Ciências Humanas, Maria Raquel da Cruz Duran, o maior incentivo para a pesquisa foi o interesse pessoal da estudante envolvida. “Desde o começo Glícia se mostrou muito interessada em antropologia da arte, ainda mais quanto ao diálogo com as técnicas corporais. Penso que sua aprovação como bolsista PIBIC em 2023 foi um impulso a mais, que agora vê seu percurso valorizado e incentivado também pela Universidade. A produção das Ciências Sociais carece particularmente de apoios financeiros, visto que a maioria de nossos discentes são de classes sociais menos favorecidas. Ter uma bolsa de estudos possibilita não só a permanência do estudante na Universidade, mas também sua efetiva formação científica, nestes casos”, explica Maria Raquel.
Para a estudante de Ciências Sociais, Glícia Aparecida Gomes Souza, diversos fatores motivaram a pesquisa para o projeto de iniciação científica, dentre os quais o gosto pelos animes, como Naruto, seu afeto particular pela cultura japonesa, assim como seu desejo em desenvolver um percurso acadêmico dentro da antropologia da arte, aflorado após a realização de um minicurso ministrado pela orientadora da pesquisa, durante a Semana de Ciências Sociais de 2022. “Com a intenção de aprofundar meus estudos sobre a ciência antropológica e seu principal campo de discussão, as culturas, decidi estudar a dança japonesa Bon Odori especificamente no município de Campo Grande”, disse.
A pesquisa da estudante foi apresentada no Integra UFMS 2023 e segue na busca para entender a dança do Bon Odori em Campo Grande com uma perspectiva mais antropológica e social, que explora e contribui para preservar e promover a cultura nipo-brasileira. Inicialmente, observa-se que essa dança, além de ter um significado simbólico e cultural, proporciona uma conexão artística entre diferentes grupos étnicos. Cada comunidade tem suas próprias formas de lembrar seus entes queridos, e essas tradições muitas vezes se refletem em culturas diversas.
A dança e sua lenda
De acordo com o sutra Urabon-kyô, um monge zen chamado Mokuen possuía uma visão transcendental única, permitindo-lhe explorar realidades desconhecidas. Após a morte de sua mãe, ele descobriu que ela renasceu em uma dimensão remota, enfrentando eterna fome e sede. Com o objetivo de aliviar o sofrimento de sua mãe, Mokuen seguiu o conselho de Buda, reunindo todos os monges da região para passarem um dia sem pisar insetos ou flores. No dia determinado, ele organizou um banquete no monastério em homenagem à sua mãe. Ao final do dia, o espírito da mãe de Mokuen apareceu transformado e luminoso, flutuando como uma lanterna japonesa ao vento. Extasiado de alegria, Mokuen começou a dançar, inspirando os outros monges a juntarem-se a ele em um círculo de felicidade. Essa celebração de espíritos ficou conhecida como Bon Odori.
Texto: Elton Ricci
Fotos: Maria Celina Ferreira Goedert (Bon Odori) e Arquivo Pessoal da estudante Glícia Aparecida