Sífilis gestacional e congênita são alvos de estudo na UFMS

Trabalho pretende avaliar os desfechos tardios em crianças nascidas no período de desabastecimento de penicilina e monitoramento da incidência da doença durante a Covid-19

Mais de 12 milhões de pessoas em todo mundo são atingidas pela sífilis, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Trata-se de uma doença causada pela bactéria Treponema pallidum, transmitida sexualmente. Há cura e tratamento para a sífilis, porém se for negligenciada pode levar a graves complicações e, inclusive, à morte. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença atinge mais de 12 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo a manifestação mais danosa a sífilis congênita, com 1,6 milhão de casos.

No Brasil, de acordo com informações do Ministério da Saúde, em 2021, foram registrados no Brasil mais de 167 mil novos casos de sífilis adquirida, com taxa de detecção de 78,5 casos para cada grupo de 100 mil habitantes; 74 mil casos em gestantes, com taxa de 27,1 para cada 1 mil nascidos vivos; 27 mil ocorrências de sífilis congênita, com taxa de 9,9 em menores de um ano por 1 mil nascidos vivos; e 192 óbitos por sífilis congênita, com taxa de 7,0 por 100 mil nascidos vivos. Ainda, até junho de 2022, foram registrados no país 79.587 casos de sífilis adquirida, 31.090 casos de sífilis em gestantes e 12.014 casos de sífilis congênita.

A sífilis em gestantes, por exemplo, se for diagnosticada de forma tardia pode levá-la ao abortamento, prematuridade, baixo peso da criança ao nascer e morte fetal. São três estágios da doença, sendo os dois primeiros os que apresentam maior taxa de transmissão. No terceiro estágio, são verificadas as complicações, entre elas lesões cutâneas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas, podendo levar até à morte. Caso a gestante seja diagnosticada com sífilis, deve se atentar para a saúde das crianças, já que a doença pode ser transmitida em todos os seus estágios quando o bebê ainda está na barriga e, até mesmo, no momento do parto.

Pesquisadores avaliam a capacidade motora das crianças

Para entender mais sobre a doença e como ela afeta gestantes e crianças em Campo Grande, uma equipe de pesquisadores da Faculdade de Medicina (Famed) e Instituto Integrado de Saúde (Inisa) pretende verificar os desfechos tardios da sífilis gestacional e congênita em crianças nascidas no período de desabastecimento de penicilina e monitoramento da incidência da doença durante pandemia de Covid-19. Os trabalhos são orientados pelos professores Everton Falcão Oliveira e Ana Lúcia Lyrio de Oliveira, da Famed e contam com a participação das professoras Cláudia Du Bocage Santos Pinto, da Famed, e Daniele de Almeida Soares Marangoni (Inisa), e dos acadêmicos e egressos do Programa de Pós-graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias (PPGDIP) Caroliny Oviedo Fernandes, João Alfredo Cadorin da Silva, Karina Garcia da Costa, Ana Isabel do Nascimento, e do curso de Medicina Julie de Souza Xavier, Gabriel Serrano Ramires Koch e João Cesar Pereira da Cunha.

Acuidade visual também é verificada

“Este estudo tem como objetivo verificar a ocorrência de atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor e alterações oculares em crianças nascidas de mães que tiveram sífilis durante a gestação entre 2015 e 2016. Também tem como objetivo analisar quais foram os fatores associados à ocorrência de sífilis gestacional e congênita no período da pandemia por Covid-19 (2019-2021)”, explica o professor Everton. Segundo ele, a transmissão da infecção da mãe para filho pode causar consequências graves para o feto se a infecção materna não for detectada e tratada precocemente durante gravidez. A sífilis congênita também é a segunda principal causa de óbito fetal evitável em todo o mundo.

Everton ressalta que no Brasil, a sífilis persiste como problema de saúde pública, especialmente devido a limitação de acesso ao diagnóstico e tratamento adequados. “Poucos estudos têm monitorado o desenvolvimento cognitivo e motor de crianças que nasceram de mães que tiveram sífilis durante a gestação e, portanto, é pouco conhecido os efeitos tardios que sífilis pode acarretar, especialmente em crianças maiores de 2 anos”, destaca.

Crianças nascidas entre 2015 e 2017 são alvo do estudo

De acordo com o professor, o estudo apresenta três etapas, sendo a primeira a identificação dos participantes elegíveis ao estudo. “Nesta etapa, a equipe do estudo analisou as todas as notificações de casos confirmados de sífilis em gestantes entre 2105 e 2016 na cidade de Campo Grande e também todos os registros de nascimentos neste mesmo período”, conta. “Na segunda etapa, que está em andamento, ocorre o contato com as mães e/ou responsáveis pelas crianças para explicar a pesquisa e convida-las a participar do estudo. Nos casos de aceite, é feito o agendamento para a execução da terceira etapa, que consiste na avaliação clínica e motora das crianças, que é feita por um médico, uma enfermeira e por acadêmicos do curso de fisioterapia e medicina”.

“Esperamos que os resultados do estudo reforcem a importância do rastreamento e diagnóstico oportuno de sífilis gestacional, bem como o acesso ao tratamento materno adequado visando à diminuição dos riscos de atrasos desenvolvimento motor e cognitivo de crianças expostas à sífilis no período intrauterino”, fala Everton. “Além disso, espera-se cooperar para aproximação dos resultados com a realidade da prática assistencial, fornecendo dados que permitam aos profissionais repensar condutas de forma crítica de acordo com as necessidades e histórico de cada criança exposta à sífilis, bem como para garantir o acesso aos atendimentos de saúde materna-infantil independente de cenários epidemiológicos de surgimento abrupto como a pandemia de Covid-19, visto que a demanda por tais serviços são permanentes”, ressalta.

O público-alvo da pesquisa é formado por crianças nascidas entre 2015 e 2017. “Para este estudo, são necessárias 344 crianças, sendo 172 crianças nascidas de mães que tiveram sífilis durante a gestação e outras 172 nascidas de mães que não tiveram sífilis durante a gestação”, especifica o pesquisador da Famed.

“Sou enfermeira obstetra e esta pesquisa está diretamente ligada à minha formação profissional e acadêmica uma vez que atuo na realização de pré-natal de qualidade visando à diminuição de morbimortalidade materna e desfechos obstétricos e neonatais desfavoráveis. E também como enfermeira generalista na assistência à saúde das crianças por meio da consulta de enfermagem em pediatria na qual, entre as atividades, está a avaliação cuidadosa e criteriosa do desenvolvimento infantil, permitindo assim a detecção e atuação profissional de forma precoce visando ao bem estar da criança. Assim, essa pesquisa contribui para um olhar mais amplo e especial para as situações que fazem parte do cotidiano profissional”, conta Caroliny Oviedo Fernandes Reis

Pesquisadores avaliam o desenvolvimento infantil

Caroliny realiza a coordenação da pesquisa e da equipe de trabalho junto ao professor Everton. “Entre as atividades desenvolvidas estão a seleção dos participantes, busca de contato, agendamentos e confirmações dos mesmos, organização do fluxo de coletas de dados com as crianças, preparo do material para as avaliações, avaliações motoras das crianças, além de buscar manter uma comunicação efetiva na equipe”, comenta.

“O meu envolvimento com pesquisa iniciou-se já na graduação na UFMS com a oportunidade de fazer parte do PET materno infantil e também como bolsista de Pibic. Após a graduação cursei o mestrado também na UFMS no qual me deu uma base melhor do desenvolvimento com pesquisas com dados secundários bem como despertou meu interesse pelo processo de trabalho das pesquisas de forma geral. Em seguida, de 2019 a 2021, realizei a residência em enfermagem obstétrica oferecida pelo Inisa. “Esse foi o período em que despertou o meu interesse pela temática, pois durante a pandemia, verificamos o aumento de óbitos fetais devido a infecção por sífilis, diagnósticos maternos tardios, internação de recém-nascido para tratamento de sífilis como também crianças nascendo com implicações congênitas da sífilis. Foi quando, entrei em contato com o professor Everton com o interesse de desenvolver uma pesquisa voltada para o tema”, lembra.

“Além do arcabouço acadêmico para o desenvolvimento de pesquisa, espero que a pesquisa para contribuir para o melhor entendimento e implicações da sífilis tanto durante o período pandêmico quando as suas possíveis complicações a longo prazo.  E com os resultados, propor melhorias no processo de assistência a essas crianças”, fala a enfermeira.

A estudante de Medicina Julie de Souza Xavier conta que se interessou em participar pelo gosto à pesquisa. “Interessei-me em participar porque eu gosto da área da pesquisa, da parte de colher dados e analisar, e acredito que isso possa contribuir positivamente para o desenvolvimento do trabalho. Além disso, eu me interesso muito pela pediatria e é justamente o público-alvo”, diz a acadêmica. Segundo ela, é responsável pelo transporte das mães que optam pelo uso de aplicativos para deslocamento e, também controle das mães que vão para a coleta, bem como pelo reembolso às mães que optam pelo pagamento do transporte via PIX, Julie já participou de outro projeto de pesquisa em 2020 e acredita que isso é importante para aumentar o conhecimento sobre as manifestações da sífilis congênita e maior experiência em projeto de pesquisa.

 

Texto: Vanessa Amin

Fotos: Karen Andrielly Reis dos Santos