Pesquisadores em Saúde Coletiva avaliam impacto da pandemia junto a agentes comunitários

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que entre 80 mil a 180 mil profissionais de saúde morreram por conta da Covid-19 entre janeiro de 2020 e maio de 2021. Ainda segundo o documento divulgado pela OMS em outubro do ano passado, há uma grande parte da força de trabalho sofrendo com o esgotamento, estresse, ansiedade e fadiga.

“A espinha dorsal de todo sistema de saúde é sua força de trabalho. A Covid-19 é uma demonstração poderosa do quanto nós podemos contar com esses homens e mulheres, e no quão vulnerável nós todos estamos quando as pessoas que protegem nossa saúde estão desprotegidas”, destacou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus.

No Brasil, foram cerca de 13,6 mil mortos neste período. São médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros profissionais que vêm atuando há quase dois anos na linha de frente do combate à pandemia. Com papel importante na busca de alternativas para melhorar as condições de saúde nas comunidades, o agente comunitário de saúde (ACS) vem desde o início da década de 1990, atuando e integrando os serviços de saúde prestados nas unidades básicas localizadas nos municípios de todo o país.

Informações do Ministério da Saúde revelam que é uma das profissões mais estudadas pelas universidades no Brasil, já que os agentes transitam tanto nos espaços de governo, como na comunidade, intermediando a interlocução entre as duas instâncias.

Conscientes do importante papel desenvolvido pelos ACS em Campo Grande, pesquisadores do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Saúde Coletiva realizaram uma pesquisa sobre a atuação de agentes comunitários de saúde em tempos de Covid-19, em Campo Grande – MS. O projeto foi coordenado pela professora do Instituto Integrado de Saúde (Inisa), Cláudia Du Bocage Santos Pinto.

“No início da pandemia, quando surgiram os primeiros casos e vimos a doença se disseminando no Estado, pensamos em qual seria o nosso papel naquele cenário, enquanto pesquisadores, professores e, principalmente, por pertencer a um grupo de Saúde Coletiva. Assim que foi publicado o edital de seleção de ideias e projetos de pesquisa, extensão e inovação para o enfrentamento do novo coronavírus pela UFMS, propusemos, primeiramente, um projeto de extensão, com objetivo de arrecadar produtos de higiene (sabonetes, detergentes, desinfetantes) para que pudéssemos distribuir nos bairros mais periféricos da cidade”, lembra a professora Cláudia.

Ela destaca que o projeto estava atrelado à atuação dos agentes comunitários em determinadas Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Capital. “Buscamos aquelas situadas em bairros mais vulneráveis e fizemos um trabalho de capacitação, com a elaboração de informes semanais sobre a Covid-19, com todo material que ia surgindo, já que tudo aconteceu ao mesmo tempo. Na medida do possível, de maneira bem didática, produzíamos informes semanais com esse público. Em paralelo, fizemos essa parceria com as unidades e esses agentes para que esse material arrecadado fosse distribuído. Isso em um primeiro momento. Como desdobramento, vimos que seria interessante realizar um projeto de pesquisa para avaliar o impacto da pandemia junto a esses agentes durante 2020”, destaca.

Cláudia detalha que as atividades da pesquisa começaram no primeiro semestre de 2020, após a aprovação e submissão do projeto ao Comitê de Ética e em outras unidades da Universidade. “A partir daí, iniciamos os contatos com a Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, com os gerentes das unidades e com os agentes comunitários. Para isso, agregamos além dos professores do Inisa Éverton Falcão e Maria Elizabeth Araújo Ajalla, a médica Thamara Jabbour Monreal, que à época era ainda estudante e atuou como iniciação científica voluntária. Ela nos apoiou na etapa inicial de coleta de dados, que foi feita por meio virtual, diante da necessidade de distanciamento social”, diz Cláudia. A coordenadora do projeto avalia que mesmo realizando as abordagens de forma remota, houve uma grande interação com os agentes comunitários, devido ao contato estabelecido durante as atividades do projeto de extensão. “Enviamos os questionários para todas as 70 UBS e conseguimos retorno de 48”, enfatiza.

Dos cerca de 1,5 mil agentes, 280 participaram da pesquisa respondendo o questionário. Como eles pertenciam a várias unidades do município, de todas as regiões da Capital, os pesquisadores avaliam que houve uma boa representatividade. “A pesquisa é de fundamental importância, considerando o papel dos ACS no modelo de atenção à saúde no nível de primário no Brasil, tanto no que se refere à qualidade dos serviços ofertados como para a própria proteção à saúde dos mesmos. Outro ponto importante, diz respeito ao papel da Universidade em produzir conhecimento que pode apoiar o serviço de saúde nas mudanças no processo de trabalho no sentido de melhorar a sua qualidade por meio de uma pesquisa aplicável”, ressalta a professora Maria Elizabeth.

“A partir dos contatos, montamos um instrumento de coleta de dados que avaliava vários aspectos da situação dos agentes comunitários como: 1) seu perfil, a fim de entender quem eram, bem como sua situação em relação à Covid (quantos tiveram sintomas, quantos testaram, e também sobre a saúde mental), 2) sobre a rotina de trabalho e a interação deles com a comunidade (o que foi modificado, se o contato aumentou ou diminuiu) e no terceiro bloco, procuramos avaliar o conhecimento dos agentes sobre a doença (fizemos perguntas básicas, baseadas em material técnico da Fiocruz, sobre medidas de prevenção e sobre o próprio vírus)”, fala Cláudia.

As atividades foram concluídas no fim do ano passado. Os resultados já foram apresentados em eventos e constituem um artigo científico que foi submetido para publicação. Em relação ao perfil dos agentes, a pesquisa verificou que é de, predominantemente, mulheres, com 40 anos em média. “Do total, 40% tinham algum fator de risco para Covid (diabetes, obesidade) o que de alguma forma impactou na rotina desses trabalhadores, já que estávamos ainda no primeiro ano de pandemia e começando a conhecer a doença”, fala a coordenadora.

“Um dado bem relevante é que 60% desses agentes relataram algum sintoma ou acometimento em saúde mental decorrente da pandemia, o que mostra o impacto neste aspecto, já que são trabalhadores que estavam, na linha de frente, lidando com a população”, acrescenta Cláudia.

Em relação à rotina de trabalho, os pesquisadores constataram que os agentes adotavam medidas de prevenção como uso de máscaras, lavagem das mãos e uso de álcool, porém a maioria não as adotaram de forma correta, ou seja, a máscara não era utilizada durante todo o momento ou não era utilizada da forma adequada, assim como a higienização das mãos não era feita da forma correta, mostrando um despreparo em certo grau em relação às medidas de prevenção próprias. “Mais de 80% desses agentes foram mobilizados para atuar na busca ativa de pacientes com Covid-19, estando expostos diretamente ao risco”, comenta a pesquisadora do Inisa.

“Sobre a saúde mental, verificamos que 40% relataram terem vivenciado a perda de algum paciente em sua área de atuação. Considerando que os agentes não são meros trabalhadores, ou seja, fazem parte da comunidade, então essa a perda tem um significado importante, já que são parentes, conhecidos, vizinhos”, ressalta Cláudia.

Segundo a pesquisadora, também foram detectadas lacunas em relação ao conhecimento dos agentes a respeito da forma de transmissão e prevenção da doença. “Percebemos que era necessário um pouco mais de atenção sobre a capacitação e treinamento desses profissionais, já que eles estão em contato direto e representam uma fonte importante de informações para a comunidade. Claro que isso é relativo ao primeiro ano da pandemia e, hoje, possivelmente, o cenário esteja alterado. Mas isso mostrou a vulnerabilidade desses trabalhadores e como eles precisam de uma atenção maior em relação à sua saúde, e até mesmo em relação ao conhecimento fornecido a eles, peças fundamentais em nosso sistema de saúde”, explica a coordenadora da pesquisa.

“Participar desse projeto foi muito gratificante para mim, primeiramente, porque eu pude trabalhar com uma equipe incrível, composta por professores e pesquisadores muito competentes e dedicados à Saúde Pública e, segundo, porque eu pude direcionar o meu olhar de médica para os Agentes Comunitários de Saúde, que nem sempre são valorizados como deveriam. Esse grupo de trabalhadores tem, sem dúvida, grande importância no sucesso da estratégia de Saúde da Família no país, atuam diretamente com a população sanando dúvidas, convocando para consultas, vacinas e outros serviços. Por isso, achamos muito importante avaliar, observar e mostrar os dados de como eles têm sido preparados, expostos e respaldados durante a pandemia do novo coronavírus. Preparar os ACS com educação continuada é algo que se faz necessário na saúde pública e traz, com certeza, muitos ganhos à comunidade”, comenta Thamara.

Para o desenvolvimento das atividades, o grupo de pesquisadores contou com a parceria da Sesau. “A Sesau que abriu as portas para a nossa pesquisa e possibilitou que entrássemos em contato com as unidades básicas de saúde. Acredito que os resultados sejam de grande interesse para a Secretaria, por trazer esse panorama do primeiro ano da pandemia para as UBS a e para os ACS”, fala Cláudia.

“As atividades que foram desenvolvidas na ação de extensão e, posteriormente, no projeto de pesquisa estão alinhadas com o compromisso social e cientifico que a UFMS tem enquanto instituição pública de ensino, pesquisa e extensão. Cabe lembrar a missão da UFMS, que envolve o desenvolvimento e socialização do conhecimento, com o objetivo de formar profissionais qualificados para a transformação da sociedade e o crescimento sustentável do país”, comenta o professor Éverton.

Ele enfatiza que ambos os projetos (extensão e pesquisa) estão em consonância com a missão da Universidade, uma vez que atuaram em uma vertente que às vezes é negligenciada, como a aquisição de distribuição de insumo de higiene pessoal com objetivo de reduzir a transmissão de agentes infecciosos. “O projeto de pesquisa realizou ações de educação continuada com os agentes comunitários de saúde e também gerou conhecimentos referentes à percepção que essa categoria profissional tem sobre seu processo de trabalho”, acrescenta.

“Essas iniciativas compuseram parte das muitas estratégias de enfrentamento da Covid-19 executadas pela UFMS, contando com a atuação de equipe interdisciplinar e teve suma importância na sensibilização dos profissionais de saúde e dos acadêmicos de graduação envolvidos”, conclui o professor.

Projeto de extensão arrecadou produtos de higiene e limpeza

Uma das primeiras ações a serem submetidas e aprovadas no edital da Universidade, para estimular ideias e projetos de enfrentamento do coronavírus, foi o projeto de extensão Atuação junto às comunidades periféricas de Campo Grande no Combate ao Covid-19 coordenado pela professora Cláudia. Por meio de campanha divulgada nas mídias sociais e imprensa, o projeto arrecadou produtos de higiene e limpeza, como sabonetes, sabão em barra e detergente que foram utilizados para montar kits: um contendo quatro sabonetes e um detergente e outro contendo quatro sabonetes e duas barras de sabão.

Além de Cláudia, participaram do projeto a enfermeira Cleodete Candida Gomes; os professores Maria Elizabeth Ajalla, Fernando Ferrari e Everton Falcão, também do Inisa; Camila Medeiros Mazzeti, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Alimentos e Nutrição e Rosimeire Aparecida Manoel Seixas, da Faculdade de Medicina (Famed); além da acadêmica da Famed Laura Minare Silva. “Como resultado da campanha de divulgação, conseguimos montar 700 kits, pensados para atender a demanda de um mês de uma família de quatro pessoas. Então conseguimos beneficiar cerca de 500 famílias, já que a orientação era entregar mais kits em famílias com mais integrantes”, comenta.

Para viabilizar as entregas, o projeto contou com a parceria da Sesau. Cláudia destaca ainda que, no bairro Dom Antônio Barbosa, além do kit, foram doadas 150 máscaras de tecido,  preferencialmente, aos idosos e aos agentes de saúde. “Avaliamos que o resultado da ação foi muito positivo. Mobilizamos muitas pessoas em torno da causa. A receptividade da Sesau, das unidades básicas de saúde e dos agentes também foi muito importante para o sucesso. Somos um grão de areia nesse processo, mas para cada família, acredito que conseguimos fazer a diferença. O projeto foi fundamental, não apenas pela distribuição dos kits, mas, também, pelo trabalho de educação em saúde com a população”, avalia. “Toda a sociedade tem se mobilizado de forma intensa, são várias ações de diversas naturezas. Ficamos felizes pelo trabalho integrado e pelos frutos que colhemos”, conclui Cláudia.

 

Texto: Vanessa Amin

Fotos*: Vanessa Amin/Acervo do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Saúde Coletiva

*As fotografias foram produzidas antes da obrigatoriedade do uso da máscara pelas autoridades locais