Parceria internacional possibilita estudos de pesquisadores da UFMS no Peru

Pesquisadores da UFMS e o arqueólogo Rubén Héctor Buitron Picharde (centro)

Pesquisadores da Faculdade de Ciências Humanas (Fach), da Cidade Universitária, passaram 11 dias no Peru para realizar estudos no complexo arqueológico El Brujo, da Fundação Augusto N. Wiese. Essa foi a primeira viagem do grupo de pesquisadores até o país, viabilizada por meio do acordo de cooperação a UFMS e a Fundação.

“Essa é uma parceria nos enriquece muito, pois a Fundação Wiese tem um compromisso com a ciência e existe uma generosidade muito grande por parte deles de franquear nosso acesso tanto ao acervo de materiais bioantropológicos, como à estrutura do complexo arqueológico, pesquisas em conforto ambiental, em conservação de acervos e também de materiais”, explica a professora Priscila Lini. Ela foi acompanhada do professor Carlos Eduardo da Costa Campos, a estudante do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Fach Ana Cláudia Goes Rocha e a arquiteta e mestre em Eficiência Energética e Sustentabilidade pela UFMS Sabrina Lini.

“O Complexo, assumido pela Fundação Wiese, começou a ser gerido na forma como está a partir de 2006, o que é relativamente recente”, conta. Ela ressalta que, na maior parte das vezes, que os estudos enfocam mais a região altiplano, que inclui Cuzco, Machu Picchu e os grandes geoglifos de Nazca. “A costa norte do país também teve civilizações tão antigas e tão complexas quanto. Isso está sendo descoberto um pouco mais recentemente”, comenta.

“O Complexo traz estruturas importantes. São templos, camadas e camadas de história, tudo que é retirado de lá tem que ter um local adequado esperando – climatizado e descontaminado. Há muito remanescente humano e esse material é muito sensível. Nossa missão lá está relacionada a isso”, fala Lini. Ela lembra que o Complexo El Brujo é muito conhecido por conta da “Dama de Cao”, que foi uma das primeiras mulheres governantes de que se tem notícia na época pré-colombiana. “Ela está acompanhada de um processo funerário bastante complexo, muito rico, com artefatos em ouro, e de outros indivíduos no mesmo contexto funerário. O que torna esse complexo tão conhecido é justamente a ‘Dama de Cao’, mas também há todos os murais, as civilizações Mochica e Lambayeque, essa sobreposição que acontece ali e a enorme quantidade relevante de materiais ósseos preservados”, destaca.

A professora explica que entre as linhas de trabalho do grupo no Peru estavam: a análise de uma amostra de restos ósseos humanos, provenientes da necrópole de Huaca Cao Viejo (séculos 10 e 13 d.C.), para estabelecer o perfil biológico e desenvolver uma proposta de identificação de graus de modelação craniana intencional; o diagnóstico dos equipamentos que abrigam bens culturais do Complexo e a proposta de soluções sustentáveis; e o apoio nos processos de catalogação de cerâmica arqueológica e metal, bem como na proposta de melhorias técnicas a nossa Plataforma de Gestão de Coleções. O grupo também participou ativamente como observadores e jurados da 3ª Feira Escola e Identidade, organizada no início de outubro pelo programa Qualidade Educacional da Fundação Wiese no Complejo El Brujo.

Priscila é responsável na UFMS pelo Laboratório de Bioantropologia e Antropologia Forense (Labfor) da Fach, o único no Brasil nessas áreas. O grupo fez análise de 38 indivíduos, 34 esqueletizados e quatro ainda em fardo funerário. “Conseguimos traçar o perfil da população, agora estamos fazendo o relatório final. No que se refere aos remanescentes humanos, o Complexo apresenta uma riqueza gigantesca, eles estão muito privilegiados em relação a nós, devido às próprias camadas e os fardos, os tecidos funerários, alcalinidade do solo arenoso e sua salinização, por ser um local onde o deserto encontra o mar, diferentemente do nosso solo ácido, vermelho. Isso tem papel relevante na degradação do material ósseo”, detalha a professora.

A pesquisadora conta que, entre as constatações, conseguiram identificar que havia diferença na sobrevivência de homens e mulheres. “Homens viviam um pouco mais, chegavam aos 55 anos, com qualidade óssea melhor e uma condição de nutrição bem melhor. Mulheres viviam cerca de 35 anos, qualidade óssea inferior. Porém, o que mais nos chocou foi o alto grau de violência contra crianças. Notamos marcas de violência em relação à esqueletos infantis, encontrados em vários indivíduos”, expõe.

Sobre a troca de conhecimentos e experiências proporcionada pelo acordo, Priscila conta que contribui para ampliar o repertório de análises, inclusive as feitas no Labfor. “Quanto mais análises fazemos, maior nosso repertório para verificar e identificar pessoas, desaparecidos, casos de violência, desaparecimentos forçados. Conseguimos identificar mais facilmente eventuais marcas de violências ósseas, mesmo quando não há materialidade suficiente, pois um dos grandes desafios é encontrar materialidade em casos de morte violenta. A antropologia forense auxilia nesse sentido, ainda mais nessas análises forenses de identificação de perfil biológico de indivíduos, isso contribui muito”, relata. “Essa troca, essa experiência, quando dá certo, pra nós é super importante e podemos reproduzir as análises aqui, fazer uma troca com o nosso Museu de Arqueologia, por exemplo”, acrescenta Lini.

A parceria com a Fundação tem duração de 36 meses. “Essa foi nossa primeira ida até lá. Outras etapas devem ocorrer nos próximos meses”, diz a professora. Um grupo de pesquisadores da Fundação Wiese deve vir para a UFMS em março de 2025. “Eles virão para o primeiro Simpósio Ibero-americano de Arqueologia, Bioantropologia e Patrimônio que estamos organizando”, conta Priscila.

Professora Priscila e a mestranda Ana Cláudia

Experiência internacional

A estudante de pós-graduação Ana Claudia tem como campo de pesquisa a análise comparativa entre práticas funerárias dos povos da costa norte peruana e dos povos de Mato Grosso do Sul. Já a recém mestre Sabrina realizou uma pesquisa aplicada em conforto térmico e condições climáticas de armazenamento de acervos. “Esse acordo é importante para a internacionalização da UFMS, conforme as metas estabelecidas no Plano de Desenvolvimento Institucional e demais exigências da Capes e CNPq, oportunizando estudos de alto nível entre profissionais de áreas transdisciplinares”, destaca Priscila.

“Eu faço pesquisa em bioantropologia desde a graduação. Meu projeto de mestrado é focado em processos funerários de grupos indígenas na América Latina pré-colonial, então ter ido pra lá e ver in loco os registros de uma cultura que se manteve forte por mais de 14 mil anos é muito enriquecedor, tanto academicamente, como pessoalmente. O Labfor tem alguns convênios internacionais, então é sempre uma nova chance de aprender algo a mais com pesquisadores de fora e também mostrar um pouco do que fazemos aqui. A minha banca de trabalho de conclusão de curso contou com um avaliador externo da Espanha justamente por conta desses convênios. Isso muda muito a nossa perspectiva de pesquisa e nos ajuda a ter novas ideias, enxergar problemas e ter questionamentos diferentes”, diz Ana Cláudia.

Ela já teve oportunidade de fazer intercâmbio quando estava no ensino médio e confessa que a experiência expandiu os horizontes. “Acho que essas experiências são sempre enriquecedoras nesse sentido, de poder descobrir o mundo para além do que estamos acostumados a vivenciar. Acho que intercâmbios internacionais e nacionais tem muito a acrescentar na jornada acadêmica do estudante, e agregam muito para a Universidade também”, completa a mestranda.

“Sem dúvida foram 11 dias frutíferos de intenso aprendizado para ambas as equipes, que resultarão em maior conhecimento crítico e na preservação social do nosso patrimônio cultural. Estudar o passado permite identificar as raízes de determinados comportamentos, para análise de ancestralidade de remanescentes ósseos, pois ali é certeza que são materiais pré-colombianos, assim conseguimos fazer dentro dos três grandes perfis ancestrais – africano, caucasiano e asiático. Conseguimos adquirir cada vez mais dados por exemplo para população asiática e indígena, porque sabemos se é pré-colombiana e sem miscigenação”, finaliza Priscila.

Texto: Vanessa Amin

Fotos: Acervo Labfor