Fotos: Professor Paulo Robson de Souza

Biodiversidade da flora e da fauna de Mato Grosso do Sul é publicada em artigos organizados por professores da UFMS

Mato Grosso do Sul tem agora o maior e mais atualizado retrato da diversidade biológica de sua flora e fauna. Com organização de pesquisadores da UFMS, foram publicadas duas edições especiais nas revistas Iheringia, série Zoologia e Iheringia, série Botânica (Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul). Os organizadores assinam o artigo de abertura em ambas as revistas:  Biota-MS: Montando o quebra-cabeça da biodiversidade de Mato Grosso do Sul.

Os artigos resgatam ações que originaram o “Programa de Ciência, Tecnologia & Inovação em Biodiversidade do Mato Grosso do Sul (Biota-MS)”, implantado em 2009 pelo Governo do Estado, em convênio firmado com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).

São 40 artigos de flora e 56 da fauna que listam a existência de 3.911 espécies botânicas e 5.195 espécies de animais. Em ambas publicações são listadas espécies ameaçadas, endêmicas ou só citadas para o estado.

“Quando o Biota foi criado, não se sabia quantas espécies da fauna e da flora existiam no estado e como ela estavam distribuídas. Todo o conhecimento antigo estava muito associado com Mato Grosso e mesmo depois da divisão do Estado, em 1977, muitas espécies ainda continuaram catalogadas para aquele estado. Agora temos uma fotografia da biodiversidade local, mas com certeza, ainda muito subestimada, porque há muito a se descobrir e registrar”, dizem os professores Gustavo Graciolli (Instituto de Biociências – Inbio), responsável pela organização dos artigos da fauna, publicados na Série Zoologia; e Maria Ana Farianaccio (Câmpus do Pantanal – CPAN), responsável pelos artigos da flora, na Iheringia, série Botânica.

Também são responsáveis pelas publicações os professores Fabio de Oliveira Roque (Inbio), Paulo Robson de Souza (Inbio) e João Onofre Pereira Pinto (Faeng).

Os professores da UFMS ficaram responsáveis por pensar a publicação, as normas, realizar o convite a pesquisadores nacionais e internacionais, receber os artigos e organizar as publicações, que estão disponíveis online, com acesso aberto a qualquer pessoa.

“Fizemos questão de publicar em local de livre acesso a toda a sociedade – escolas, professores, pesquisadores, tanto que os artigos, com raras exceções, são escritos em português”, explica o professor Gustavo.

As edições especiais são ilustradas com quebra-cabeças que representam as lacunas a serem preenchidas pelos pesquisadores. “A ideia é juntar as peças do conhecimento para, a partir daí, podermos montar o quadro da biodiversidade no estado, quadro ainda incompleto”, expõe os professores.

A proposta é que dentro de cinco a dez anos seja feita uma complementação dessas listas, com novas espécies, buscando sempre preencher o que está descoberto. Dentro desse período, esperam Gustavo e Maria Ana, o número de espécies registradas no estado pode até dobrar. O número atual de animais e plantas já é bem representativo considerando que a lista de espécies da fauna do Brasil apresenta mais de 117 mil espécies e a de botânica cerca de 50 mil.

No artigo, os pesquisadores afirmam que “o maior de todos os desafios, em um país megadiverso como o Brasil, é trabalhar com a falta de especialistas em todos os grupos, ou ainda ter especialistas com disponibilidade de aceitar tal tarefa. Este é um dos motivos pelos quais a presente publicação não trata da microbiota, bem como não abrange todas as famílias de plantas e animais existentes em Mato Grosso do Sul”.

Os organizadores consideram que os resultados dessas listagens irão auxiliar no melhor uso de informações sobre biodiversidade em políticas públicas e instrumentos de gestão, como estudos de impacto ambiental, zoneamento ecológico econômico e biomonitoramento.

“As listagens também são essenciais para o processo de avaliação do status de conservação das espécies, elaboração de listas de espécies ameaçadas, para embasar diversas linhas de pesquisa em ecologia e, principalmente, para o desenvolvimento de planos de ação para conservação da biodiversidade em Mato Grosso do Sul”, afirmam os organizadores.

A partir do Biota-MS, também estão sendo realizados projetos de levantamento taxonômico de fauna e flora local. O Estado vai financiar a impressão de aproximadamente 500 exemplares das revistas que deverão ser distribuídos às escolas, bibliotecas e outras instituições.

Fauna

A Série Zoologia, com mais de 500 páginas, foi a primeira a ser publicada (2017) e traz 56 artigos elaborados por 174 autores, de 41 instituições brasileiras e internacionais, sendo uma da Bélgica. Entre esses pesquisadores, 78 estão vinculados a instituições de ensino e pesquisa no Mato Grosso do Sul.

“Isso demonstra que já estamos com um forte know-how, com um bom corpo de pesquisadores. Temos uma massa crítica associada principalmente aos programas de pós-graduação da UFMS, UFGD, Embrapa e outros”, diz o professor Gustavo.

Das 5.195 espécies de animais, grande parte é de artrópodos (insetos). Entre esses foi possível descobrir que muitas espécies foram somente coletadas na localidade-tipo, como alguns tipos de besouros. Também são únicos do território sul-mato-grossense alguns peixes – como o bagre cego, adaptado em cavernas e a Gastrotricha, um tipo de verme aquático.

São endêmicas Pyrrhura devillei, espécie de ave conhecida como Tiriba-fogo, o Eunectes notaeus, ou sucuri-amarela e Melanophryniscus klappenbachi (anfíbio).

A publicação também traz espécies ameaçadas de extinção, como a libélula Elga newtonsantosi, que só havia sido registrada na Mata Atlântica, mas que foi encontra em Bonito, além da onça-pintada, cervo-do-pantanal, arara-azul-grande e a ariranha.

Os pesquisadores descreveram ainda espécies inseridas na biodiversidade do estado como abelha melífera, pardal, pombo-doméstico, moscas, e a hidromedusa Craspedacusta sowerbii, presente na Lagoa Misteriosa, em Jardim.

Alguns artigos dividem-se apenas em listas de espécies, dizendo onde ocorrem, enquanto outros fazem simulações da ocorrência das espécies. Isso foi feito no trabalho de aranhas, répteis, anfíbios e moscas.

“Percebemos coisas interessantes, como a maior parte conhecida estar exatamente na área que percorremos no caminho para a Base de Estudo do Pantanal e Serra do Bodoquena, onde temos mais acesso para fazer pesquisa, diz o professor Gustavo.

O levantamento apresentou que há poucas áreas muito bem amostradas. “No restante do estado não sabemos o que ocorre, há uma grande lacuna, logo muito levantamento a ser feito pelos pesquisadores”, completa.

As áreas bem amostradas possibilitam dar uma boa resposta de como o ecossistema funciona. “Toda essa questão de como fazer o zoneamento ambiental, como utilizá-lo, agora temos uma ideia melhor, porque já sabemos as espécies que ocorrem, que tipo de serviços ambientais essas espécies fazem, quais as ameaçadas de extinção, logo são áreas que podemos fazer trabalhos mais interessantes, robustos, mais aplicáveis”, aponta.

Flora

Recém-publicada, a Série Botânica, com mais de 300 páginas – número especial Biota/Mato Grosso Sul: Flora – apresenta 40 artigos sobre a biodiversidade da flora de Mato Grosso do Sul, com textos elaborados por 112 pesquisadores de 39 instituições brasileiras e internacionais.

Foram registradas 3.911 espécies de flora. “Esses números colocam o estado entre aqueles com organização mais atualizada e sistematizada de dados biológicos no Brasil. Poucos estados brasileiros possuem uma publicação assim”, afirma a professora Maria Ana Farinaccio.

De acordo com os organizadores, “Mato Grosso do Sul encontra-se numa região estratégica em termos de biodiversidade, onde ocorre o contato entre vários macroecossistemas: Cerrado, Chaco, Floresta Chiquitana, Floresta Atlântica e Floresta Amazônica, o que resulta em uma diversidade biológica relativamente alta”.

Para a realização do trabalho, a professora explica que foram contatados especialistas locais que trabalham com famílias botânicas, além de pesquisadores de outros estados e até do exterior, porque algumas famílias botânicas ainda não têm especialistas no Brasil.

“Os herbários foram importantes na elaboração deste trabalho porque, a grande maioria, já tem seus dados digitalizados e disponíveis on-line. No entanto, foi necessária uma análise minuciosa por parte dos especialistas por conta da divisão do estado, que antes fazia parte de Mato Grosso uno, ou seja, até 1977, as plantas tinham nos rótulos de coleta “estado de Mato Grosso” e o desconhecimento dos municípios de cada um dos estados levou a incorreções. O resultado desse esforço ampliou o número de espécies no Mato Grosso do Sul”, diz a professora.

“Percebemos coisas interessantes, como uma espécie da Família Asteraceae- Dimerostemma annuum, descrita em 1915 para o Paraguai e reencontrada 85 anos depois no município de Bonito; Mandevilla angustifólia (Família Apocynaceae) e Stetsonia coryne (Família Cactaceae), anteriormente desconhecidas em território brasileiro. Além disso, o estado também abriga espécies endêmicas, ou seja só ocorrem aqui, como Gomphrena centrota, Família Amaranthaceae; Aspilia grazielae, Família Asteraceae e Tillandsia bonita, uma nova espécie de bromélia, recentemente descrita.

“O resultado nos projeta para o futuro, há muito que fazer e descobrir, muitas novas espécies para serem descritas para a ciência – o olhar para a biodiversidade deste estado mudou, mesmo os pesquisadores se surpreenderam com o resultado – temos muito mais do que se imaginava e é muito importante mostrarmos a riqueza que temos aqui”, completa a professora.

Paula Pimenta