Os efeitos do fogo e da inundação na estrutura da vegetação do Pantanal

A vegetação do Pantanal é composta por plantas rasteiras, aquáticas, matas fechadas, matas ciliares e matas de galeria. A interação entre fogo e inundação é importante para a sobrevivência dessas espécies, é o que afirma o pesquisador do do Instituto de Biociências, Geraldo Alves Damasceno Junior, que  desde 2010 estuda como estes dois elementos atuam na estrutura e modificação da vegetação.

De acordo com o pesquisador, a vegetação do bioma é rica em espécies herbáceas e subarbustivas que são encontradas principalmente nas áreas mais inundáveis. Essas áreas formam campos que podem estar associados a fisionomias de savana com árvores esparsas ou mesmo campos limpos que são utilizados como pasto para os bovinos. Nas partes mais baixas do Pantanal de Mato Grosso do Sul, o período de inundações pode durar até oito meses, enquanto, nas partes ligeiramente mais altas, as cheias são mais curtas, com três ou quatro meses de duração. Por isso, a vegetação bioma pode variar bastante.

Geralmente, na transição entre as estações boa parte da vegetação está seca, e com isso, o Pantanal fica mais exposto aos incêndios. O pesquisador afirma que sem a interferência humana o fogo pode ocorrer de forma natural por descargas elétricas, combustão espontânea e do atrito entre as rochas. Nos últimos anos as queimadas têm sido motivo de grande preocupação em relação à preservação da biodiversidade, porém, o fogo faz parte da dinâmica do bioma. Os períodos de cheias ocorrem, o pantanal seca e as espécies vegetais e animais vão se adaptando aos ciclos. Antes mesmo do homem existir na região, o Pantanal já queimava.

Há dados de pesquisas realizadas de que há pelo menos 12.000 anos de histórico de fogo no Pantanal. O sítio arqueológico mais antigo do pantanal que se tem registro da planície de inundação é de 8.000 mil anos, quer dizer que 4.000 anos antes desse registro mais antigo já tinha fogo. Então o fogo é algo que existe mesmo independente da ação humana. É lógico que não necessariamente da forma como é feito hoje, mas já acontecia antes. O fogo é algo que acontece no Pantanal mesmo independente da ação humana. O fogo faz parte da paisagem do Pantanal”, explica o professor

Segundo ele, o período de 1985 a 1995 foi marcado por grandes cheias, ou seja, praticamente não teve fogo. Já entre 1960 e 1974 foi um período longo de foi de seca que se repete entre 2019 até 2023. Nestes quatro anos, a quantidade de matéria orgânica que fica disponível para a queima é muito grande e por isso ocorrem os eventos de fogo de maior proporção, e a intervenção do homem com as práticas de queimadas para limpar os pastos pode sair de controle e se espalhar pela vegetação seca.

No entanto, a combinação entre fogo e inundação é fundamental para a sobrevivência de algumas espécies de plantas nativas da região. Na avaliação do professor as espécies que conseguem sobreviver aos dois fenômenos são conjuntos muito especiais. Dentre as mais resistentes o ele cita o ipê amarelo, o carandá e o acuri. Entre as formações vegetais mais sensíveis ao fogo encontra-se as matas ciliares que têm espécies que facilmente morrem com eventos de fogo.

 “No Brasil, nós temos os biomas que são sensíveis ao fogo e temos aqueles que são dependentes do fogo para continuar existindo como eles são. O Pantanal e o Cerrado são exemplos de biomas que tem essa característica de ser dependentes do fogo”, afirma o professor.

Banco de sementes

Determinadas espécies de sementes precisam de um choque térmico para “despertar” e germinar. A temperatura fica elevada, as sementes racham facilitando a entrada de água e iniciando o processo de germinação. Quando há um desequilíbrio entre os fenômenos há consequências para o ecossistema.

“Quando o fogo age na vegetação que está dominando o ambiente ela é eliminada abrindo espaço para outras que por exemplo estão no banco de sementes. Tem muitas plantas que ficam anos no banco de sementes esperando a oportunidade de germinar, então, dependendo da intensidade, da frequência do fogo vai aumentar a diversidade de espécies que existem ali. A inundação dá uma limitada em espécies que conseguem se estabelecer após o fogo”.

Preservação

O professor destaca que o fogo e a inundação são fenômenos extremos e opostos, mas que se complementam e determinam as mudanças no Pantanal. Lugares que antes eram predominantemente ou temporariamente alagados secam e permitem o acesso dos moradores a locais antes impossíveis de se chegar a pé ou de carro; do ponto de vista econômico é possível plantar onde antes havia água; para algumas espécies é possível buscar os alimentos em águas mais baixas para alimentar os filhotes. No período de cheias porções mais altas do terreno formam ilhas onde ocorrem formações florestais usadas como abrigo pela fauna terrestre; nas margens dos rios existem muitas espécies aquáticas como o aguapé.

“Pra gente que gosta de conservação o período de cheias é bom. Por quê? Porque com o Pantanal cheio ninguém vai lá colocar trator para derrubar a mata”, destaca.

O pesquisador acredita que por meio deste estudo é possível colaborar com a prevenção de incêndios catastróficos, a conservação das espécies e dos ambientes, diminuir a emissão de carbono na atmosfera e contribuir para a promoção do Manejo integrado do fogo. Entre as técnicas que compõe o manejo está a queima controlada, realizada ao fim do período chuvoso e início do período da seca.

Texto: Mirtes Ramos
Fotos: Victor Hugo Sanches e Alice Rodrigues