Entre janeiro e outubro de 2020, o número de crianças internadas por acidente doméstico aumentou 70% em relação ao mesmo período de 2019. É o que indicam os dados preliminares de um estudo realizado por pesquisadoras do Instituto Integrado de Saúde (Inisa) da UFMS junto a três hospitais de Campo Grande e Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), vinculado à Secretaria Municipal de Saúde.
Intitulado Acidentes na infância e hospitalização infantil devido o isolamento social por Covid-19, o projeto é coordenado pela professora Maria Angélica Marcheti e conta com a participação das pesquisadoras Fernanda Ribeiro Baptista Marques e Marisa Rufino Ferreira Luizari, todas do Inisa; com a colaboração das enfermeiras Mayara Carolina Cañedo, do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, Larissa Fernandes Menezes, do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS/Ebserh), e Karine Fogaça, do Samu; além das acadêmicas do Mestrado em Enfermagem, Patrícia Harumi e Isabela Guimarães Volpe; e da graduação em Enfermagem, Amanda Gabriella de Brito Fregulha, Antonia Rayla Amona de Matos, Ariane Barros da Silva, Juliana Alves Vieira, Hozana Brandão Alves, Isabelle Santos de Souza, Izabela da Silva Pael Barro, Aline Fernanda Alves Ribeiro e Camila Regina de Oliveira Cavalcanti. O projeto teve início em maio de 2021.
De acordo com Maria Angélica, os objetivos são: analisar a incidência de acidentes infantis no estado de Mato Grosso do Sul no período de isolamento social causado pela pandemia; comparar a ocorrência de acidentes em crianças em período de isolamento social causado pela pandemia com anos anteriores; e identificar a divulgação de notícias em veículos de informação acerca de acidentes na infância ocorridos no período de isolamento social.
“Em decorrência da necessidade de isolamento social e o consequente fechamento das escolas e dos centros educacionais infantis, as crianças permaneceram o tempo todo em suas casas. As famílias precisaram se organizar para dar conta, muitas vezes, dos afazeres domésticos, das atividades profissionais em home office ou remotamente, e dos cuidados das crianças. Nem todas as famílias dispõem de ajuda para tantas tarefas”, comenta a coordenadora.
Segundo a pesquisadora do INISA, todas essas atividades juntas exigem maior esforço e divide a atenção, especialmente a dos cuidadores. “As crianças, por permanecerem em casa e, por vezes entediadas, acabam por explorar mais o ambiente doméstico o que as expõem a riscos”, fala.
Entre as ações da pesquisa estão: levantamento das hospitalizações infantis causadas por acidentes em crianças, no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS/Ebserh), no Hospital Regional de Mato Grosso do Sul (HRMS) e no Hospital Santa Casa de Campo Grande; dos atendimentos às crianças vítimas de acidentes realizados pelo Samu e de reportagens divulgadas em mídia on line.
“Trabalho há 12 anos no Samu e focamos muito no atendimento, na parte técnica. Participar deste estudo possibilita a visualização do todo e o fruto do nosso trabalho. Muitas vezes temos apenas a percepção de que os atendimentos frutos de acidentes dentro de casa aumentaram durante a pandemia, porém não temos tantos detalhes fornecidos por um estudo como esse, por exemplo”, ressalta a enfermeira Karine.
Para as acadêmicas do primeiro semestre do curso de Enfermagem Isabelle Santos de Souza e Hozana Brandão Alves tem sido uma experiência muito importante. “Entrar em um projeto como esse, logo no início, possibilita uma visão geral do que vamos ver ao longo do curso. Já tivemos contato com o prontuário e consequentemente já aprendemos a manusear os campos que vamos ter que marcar. Acabamos também percebendo algumas coisas interessantes, por exemplo, durante a coleta de dados de uma amostra dos prontuários, vimos que acidentes acontecem mais com meninos do que com meninas. É bem interessante”, fala Isabelle.
“A experiência é bastante nova, pois me fez ver com outro olhar a área de atendimento de urgência. Estou incentivada até mesmo a pensar na possibilidade de uma carreira no Samu. Além de agregar pessoalmente, estamos construindo um aprendizado que deve perdurar até o fim do curso”, comenta Hozana.
Mestranda em Enfermagem, Patrícia se interessa pela pesquisa desde a graduação, realizada também na UFMS. “Sou enfermeira obstetra, minha área de atuação é voltada à saúde da mulher, mas também tem uma parte ligada à pediatria. Queria muito trabalhar com o que ocorreu durante a pandemia e achei muito interessante o tema, além do fato de ter duas filhas pequenas, o que pode também me ajudar na rotina em casa”, fala.
Resultados preliminares
Analisando os prontuários nos três hospitais, a equipe de pesquisadoras contabilizou 85 pacientes, entre janeiro e outubro de 2019, internados devido a acidentes domésticos. No mesmo período, em 2020, o número subiu para 146. “As principais situações registradas são: queimaduras, lesão nos olhos, cortes, fraturas e traumas em geral, que ajudaram a aumentar em 75% as buscas por atendimentos em um hospital de grande porte”, aponta Maria Angélica.
Até o momento, é possível dizer que a maior parte das ocorrências aconteceram em comunidades carentes e vulneráveis. “O isolamento domiciliar de longo prazo, devido às medidas adotadas para evitar a propagação do surto da Covid-19, apresentou o potencial de aumento do risco de acidentes domésticos em crianças, como um dano colateral adicional da pandemia”, destaca a coordenadora.
Em relação à análise do material divulgado pelas mídias, o grupo verificou que houve uma preocupação maior com os riscos da transmissão do novo coronavírus do que com os riscos domiciliares e com a saúde física e mental das crianças no referido período. “As mídias, vídeos, notas, material educativo disponibilizados on-line (muitas notícias falsas) são insuficientes para garantir a segurança e a prevenção de acidentes de crianças e adolescentes. Nem sempre as famílias recebem orientações de como prevenir acidentes e proporcionar um ambiente seguro em casa”, comenta a professora. A análise das reportagens, inclusive, gerou um artigo científico publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Enfermeiros Pediatras e que pode ser conferido aqui.
O estudo também gerou outros resultados como trabalhos de conclusão de curso e apresentação em evento científico nacional (veja aqui). Além disso, os resultados parciais têm sido apresentados à comunidade, focando à prevenção de acidentes na infância e, segundo Maria Angélica, as ações são realizadas tanto na UFMS como em centros de educação infantil. O projeto também está vinculado ao Laboratório de Estudos e Pesquisas em Intervenção Familiar (Lepif).
Texto: Vanessa Amin
Fotos: Vanessa Amin/Acervo pesquisadoras