Pesquisadores da UFMS, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) realizaram o mapeamento genômico do novo coronavírus – SARS-CoV-2 – em amostras de exames realizados em Mato Grosso do Sul e identificaram que, atualmente, a linhagem P1 prevalece em circulação. “Nas amostras coletadas em 2020, identificamos diferentes linhagens. Em março deste ano, a P1 foi constatada em 80% das amostras e nas posteriores, ela estava presente em todas”, explica um dos coordenadores da pesquisa James Venturini. A linhagem P1 do coronavírus surgiu em Manaus no final de 2020 e pode ser de 1,7 a 2,4 vezes mais transmissível que outras linhagens.
Responsável pelo Laboratório de Doenças Parasitárias e Infecciosas da Faculdade de Medicina da UFMS, Venturini ressalta que o mapeamento é uma das ações do projeto de pesquisa Avaliação sistêmica integrada da COVID-19 em Mato Grosso do Sul: aspectos moleculares, epidemiológicos, clínicos, imunológicos e de vigilância, iniciado no ano passado. O objetivo do projeto é promover ações integradas de pesquisa, vigilância e suporte técnico-científico a gestores e profissionais da saúde, para fortalecer e regionalizar o enfrentamento da Covid-19 em Mato Grosso do Sul. Além do professor James, a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Alimentos e Nutrição (Facfan) Ana Rita Coimbra Motta de Castro também coordena a equipe integrada por pesquisadores e profissionais da UFMS, Fiocruz, Lacen, dos hospitais Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap) e Regional Rosa Pedrossian (HRMS), da Secretaria de Estado de Saúde (SES) e da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).
“Trabalhamos juntos em torno de um objetivo comum: dar assistência à comunidade. No início da pandemia precisávamos nos posicionar e atuar de forma proativa para ajudar o Lacen nos exames moleculares. No dia 13 de abril de 2020, iniciamos os atendimentos no drive-thru e, Campo Grande com mais de 150 exames por dia. Também desenvolvemos projetos de pesquisa de vigilância da Covid em profissionais da saúde de dois hospitais referência em atendimento à doença”, lembra a professora Ana Rita. De acordo com ela, o grupo de professores e pesquisadores, se dividiu em diferentes tarefas e responsabilidades, a fim de conseguir dar assistência e realizar as pesquisas ao mesmo tempo. “Na realização dos exames, o grupo foi dividido em administrativo, logística/ recepção/coleta, conferência/processamentos das amostras, extração ácido nucleico, amplificação RNA SARS-CoV-2 e conferência/emissão dos laudos”, especifica Ana Rita.
A pesquisa sobre as linhagens do novo coronavírus envolveram na UFMS pesquisadores dos laboratórios Labdip da Famed, de Ecologia e Biologia Evolutiva (Lebio) do Instituto de Biociências (Inbio) e Imunologia Clínica (Labimune) da Facfan, além da equipe do Lacen. Para monitorar e compreender o padrão de variação espaço-temporal da circulação do vírus, foram sequenciados os genomas virais de 37 amostras clínicas (obtidas por meio do swab nasofaringeano) coletadas em 2020 (maio, junho e dezembro) e 2021 (março, abril e maio de 2021), abrangendo 11 municípios do Estado (Campo Grande, Aparecida do Taboado, Três Lagoas, Brasilândia, Ivinhema, Dourados, Naviraí, Amambai, Ponta Porã, Bela Vista e Antônio João). “A maior parte das amostras foram obtidas pela demanda da SES por exames realizados, e a outra parte a partir dos projetos de pesquisas da UFMS”, explica James. “No Labdip, foi realizada a primeira etapa: extração de RNA; no Labimune, a segunda etapa: RT-qPCR e no Lebio, a terceira etapa: sequenciamento completo do genoma de SARS-CoV-2”, detalha o coordenador.
Para o desenvolvimento das ações, a Universidade recebeu investimentos do Ministério da Educação, que possibilitaram a compra de equipamentos como o sequenciador e de RT-qPCR (aproximadamente R$ 1 milhão). A maior parte dos insumos foi adquirida por meio de parceira com a SES, por meio da Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura (Fapec). Parte dos recursos também foi obtida com a realização de exames de diagnóstico na UFMS, também com intermédio da Fapec. “A receita obtida com a realização dos exames de diagnóstico da Covid nos laboratórios da Universidade foi aplicada na contratação de mão-de-obra extremamente qualificada para a auxiliar na análise das amostras. Essa conexão, esse cenário tornou muito favorável a identificação das linhagens presentes. Conseguimos dar uma resposta rápida para a sociedade, já que é a primeira vez que temos um relatório das linhagens presentes no Estado desde o início da pandemia. Com os últimos investimentos, temos uma estrutura organizada, profissional e sustentada para podermos organizar e atender as demandas da sociedade”, destaca James.
Para a professora Aline Pedroso Lorenz responsável pelo Lebio, a aquisição do sequenciador GeneStudio pode, além de pesquisa relacionadas à Covid, auxiliar em projetos de diferentes áreas da saúde e das ciências ambientais. “O sequenciador está à disposição da comunidade acadêmica para que sejam realizados estudos de genômica, transcriptômica, microbioma, entre outros, já que o Laboratório é multiusuário”, afirma.
Sequenciamento
“No início da pandemia de Covid-19 fui convidado pela professora Aline Pedroso Lorenz a fazer parte da equipe que iria realizar o diagnóstico molecular do vírus. Embora minha experiência não tenha sido na área de virologia, as técnicas de biologia molecular podem ser extrapoladas para todos os tidos de organismos, o que me possibilitou estar na equipe de diagnóstico do SARS-CoV-2 até hoje”, conta o pesquisador do Lebio Wellington Santos Fava.
Wellington iniciou a experiência em técnicas de Biologia Molecular no doutorado em Ecologia e Conservação da UFMS e continuou os estudos o pós-doutorado. “Durante todo esse período, fui aprendendo e desenvolvendo as técnicas básicas, como extração e amplificação de DNA, sequenciamento e análises genéticas, sempre trabalhando com plantas do Cerrado e Pantanal”, conta.
“Com a aquisição do Sequenciador de Nova Geração (NGS) pude entrar em contato com uma técnica até então distante da minha realidade, presente principalmente nos grandes centros de pesquisas brasileiros e internacionais. O sequenciamento de nova geração é uma técnica importantíssima, principalmente quando precisamos de uma vigilância genômica não apenas do SARS-CoV-2, mas também de outras doenças causadas por vírus e outros organismos”, enfatiza Wellington.
Segundo o pesquisador, além da aplicação na saúde humana, o NGS pode “engrandecer muitas das pesquisas realizadas na UFMS e em Mato Grosso Sul, por ser capaz de produzir uma grande quantidade de dados de alta qualidade que podem ser usados para responder as mais variadas perguntas”, relata. “Particularmente para o Inbio, a instalação de uma plataforma de NGS, sem dúvidas, facilita a logística envolvida no sequenciamento do genoma de espécies-alvo dos estudos aqui realizados. Por se tratar de uma plataforma multiusuário, acredito que podemos esperar pesquisas ainda mais relevantes sendo produzidas aqui”, fala.
“As conquistas realizadas com o desenvolvimento do projeto agregam muito às atividades de ensino e pesquisa da UFMS, já que passamos a contar com tecnologia de ponta, melhoramos nossa infraestrutura física, que serve para estudos sobre o Sars-Cov-2 mas também envolvendo outros vírus e também a experiência única vivenciada pelo corpo de professores, técnicos e estudantes das unidades envolvidas nos trabalhos”, destacam os coordenadores do projeto, James Venturini e Ana Rita. “Além disso, ressaltamos a importância da implementação de uma rede de vigilância genômica capaz de acompanhar as mudanças temporais e prováveis rotas de dispersão das linhagens de SARS-CoV-2 em Mato Grosso do Sul”, finalizam
Texto: Vanessa Amin
Fotografias: Arquivo dos pesquisadores