Em 2020, as professoras Tatiana Carvalho e Bruna Moretti Luchesi, do curso de Medicina, e o professor Edirlei Machado dos Santos, do curso de Enfermagem, iniciaram uma pesquisa para avaliar a saúde mental de mulheres com filhos crianças e adolescentes durante a pandemia de Covid-19.
De lá para cá, os pesquisadores, que atuam no Campus de Três Lagoas (CPTL), reuniram dados suficientes para computar resultados preliminares, que estão sendo organizados para figurarem em artigos acadêmicos para divulgação científica.
Ao todo, 822 mulheres de todas as regiões do Brasil responderam o questionário da pesquisa, com média de idade na faixa dos 37 anos. Foi identificado que 25% das mães tinham sintomas de depressão, 7% sintomas de ansiedade, 23% sintomas de estresse e 39% sintomas de estresse pós-traumático. De acordo com a professora Bruna Moretti Luchesi, o quesito “estresse pós-traumático” foi considerado, pois a pandemia foi um evento que gerou traumas para muitas pessoas.
“Nós buscamos instrumentos validados, que são confiáveis, para poder avaliar esses parâmetros e utilizamos algumas escalas para isso. Nós também acabamos incluindo outras questões que a gente achou que poderia influenciar na saúde mental, por exemplo, quantos filhos essa mulher tinha, porque a gente tinha uma ideia de quanto mais filhos, isso poderia ter uma influência maior; se ela estava empregada, se ela estava se sentindo mais sobrecarregada, se tem que cuidar dos filhos durante a pandemia, se ela usava medicamento, se ela tinha alguma doença… Então nós acabamos indo aí, em outros fatores de caracterização que a gente achou que poderia estar influenciando na saúde mental, e essa pesquisa confirmou que esses fatores realmente influenciaram”, conta Bruna.
Segundo a professora, os dados também mostram que as mulheres que faziam uso de medicamentos, tinham dificuldade para dormir ou eram diagnosticadas com alguma doença, tiveram piora durante a pandemia, se mostrando o grupo mais vulnerável.
“Eu acho que normalmente, na nossa sociedade, a mulher já apresenta uma sobrecarga de papéis associada ao cuidado dos filhos, né? Então acho que isso se intensificou na pandemia, a mulher teve que ajudar nas atividades da escola, participar mais das tarefas domésticas e ainda teve que ter criatividade para poder manter os filhos em casa, desenvolverem atividades para manter e estimular o desenvolvimento dessas crianças e adolescentes. Acho que no contexto da pandemia, a sobrecarga foi muito maior, o acúmulo de papéis e de funções, e tudo isso pode ter gerado uma demanda que a mulher não estava preparada para lidar”, explica.
Bruna também ressalta que esses resultados reforçam a necessidade de parceiros, familiares e amigos darem apoio às mulheres que são mães. “Eu mencionei que mulheres sobrecarregadas tinham uma pior saúde mental, então acho que isso reforça a importância do apoio social, da rede de apoio social. O suporte dos amigos, da família, ele é fundamental – seja para as tarefas domésticas, para as atividades escolares ou mesmo para estar com as crianças enquanto a mãe sai, nem que for para fazer compras no mercado ou para praticar alguma atividade física. Com certeza qualquer apoio da rede de amigos e familiares é fundamental”, diz.
Além da rede de apoio, é preciso que as mulheres dediquem tempo para si. “Também é importante que a mulher tenha consciência da importância da sua saúde. Normalmente, muitas mulheres quando se tornam mães acabam se dedicando muito ao cuidado dos filhos e não se dedicam a cuidar da sua própria saúde. Eu entendo, nós compreendemos que é difícil, cuidar de um filho demanda muito mesmo, em vários aspectos, mas se você não tiver saúde, você não vai conseguir cuidar de ninguém, então é importante que a mulher tenha consciência disso e reserve um tempo para ela mesma, para fazer algum exercício, para relaxar, ler um livro, fazer alguma atividade que gosta mesmo e, para isso, a gente sabe que é necessário todo um contexto, [a rede de apoio] precisa se mobilizar”.
Ainda que o questionário tenha avaliado os sintomas de ansiedade, estresse e depressão, não há como essas mulheres serem diagnosticadas apenas por responderem algumas questões – se os sintomas são persistentes, é necessário buscar ajuda profissional para um diagnóstico real e, assim, obterem o tratamento adequado. “É lógico que é normal se sentir triste, você se sentir ansioso, você se sentir estressado… são sentimentos perfeitamente normais no nosso dia a dia, mas quando esse sentimento não é algo que é passageiro, é algo que começa a se prolongar por muito tempo e que começa a se associar a outros sintomas, como perda de apetite, alterações no sono, quando começa a afetar significativamente o dia do indivíduo e pode prejudicar suas atividades, é hora de buscar ajuda. O ideal nesses casos é que a mulher busque ajuda na unidade de saúde mais próxima de sua casa”, adverte a professora. Outro método para obter ajuda é ligar para o Centro de Valorização à Vida, o CVV, no número 188 ou em cvv.org.br.
Os dados levantados com esta pesquisa podem fomentar a criação de políticas públicas voltadas especialmente para as mulheres que são mães. “A gente acredita que agora, com a duração da pandemia estendendo, os prejuízos podem ser ainda maiores para essas mulheres e, como eu falei, sobre os resultados que estavam relacionados aos grupos mais vulneráveis nesse contexto da pandemia – as mulheres que usam medicamentos, as que estão sentindo mais sobrecarregadas, as que dormem menos, têm algumas doenças, as que avaliam a sua saúde como ruim – elas indicam alguns grupos que merecem mais atenção quando a gente for pensar em alguma política pública. (…) Eu não consigo ajudar todas as mães maiores de 18 anos que têm crianças e adolescentes, então qual vai ser o meu foco que eu vou ajudar primeiro? A gente tem que pensar nesses grupos”, afirma.
Para dar uma devolutiva a todas que responderam o questionário, os dados levantados foram organizados num documento batizado de “Relatório da Participante”, que pode ser conferido abaixo ou em instagram.com/saudementalufms.
Texto: Leticia Bueno