As condições de saúde bucal no Estado serão conhecidas a partir de levantamento em pesquisa realizada pela Faculdade de Odontologia da UFMS, Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (USP) e Secretaria Estadual de Saúde de Mato Grosso de Sul.
Já em aplicação nas cinco maiores cidades de MS – Campo Grande, Dourados, Três Lagoas, Ponta Porã e Corumbá, a coleta de dados para a pesquisa deverá contemplar ao todo 32 municípios, em um universo de aproximadamente cinco mil pessoas, para a população de 18 a 36 meses, 5 anos, 12 anos, 15 a 19 anos, 35 a 44 anos e, 65 anos e mais.
Os dados serão coletados por odontólogos em escolas de ensino infantil, fundamental e Unidades Básicas de Saúde de Atenção Primária ou da Estratégia de Saúde da Família (UBS/ESF).
Serão contabilizados a prevalência e a gravidade da cárie dentária em coroa; condição periodontal; prevalência de oclusopatias; necessidade e uso de prótese; morbidade e severidade da dor de origem dentária. Estarão em análise ainda o perfil socioeconômico, a utilização de serviços odontológicos, a autopercepção, os impactos da saúde bucal nas atividades diárias dos indivíduos, além de informações referentes ao capital social, comportamento sedentário, Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono, Disfunção Temporo Mandibular.
Além da coleta de informações, a pesquisa apontará as necessidades de tratamento da população, podendo “propiciar condições para controlar as mudanças nos níveis ou padrões da doença identificadas”, explica o coordenador da pesquisa na UFMS, professor Rafael Aiello Bomfim (Faodo).
Adolescentes
A pesquisa local está sendo realizada em parceria com a Faculdade de Odontologia da USP e utiliza como referência o levantamento epidemiológico realizado no Estado de São Paulo, pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com as faixas etárias de 15 a 19 anos, 35 a 44 anos, e idosos acima de 60 anos.
A pesquisa paulista embasou a dissertação “Lesões dentárias traumáticas e fatores individuais e contextuais associados entre adolescentes brasileiros: um estudo de base populacional”, da odontóloga Rejane Cristina Leite da Fonseca Cerutti, pelo Programa de Pós-graduação em Odontologia (PPGO-UFMS), com orientação do professor Rafael Aiello.
Os dois pesquisadores assinam agora artigo que está sendo publicado na Revista Dental Traumatology, a principal revista científica mundial que discute trauma dentário, com o título “Individual and contextual factors associated with traumatic dental injuries in a population of Brazilian adolescents”.
“Resolvemos fazer a análise do trauma na faixa etária dos 15 aos 19 anos. O objetivo foi verificar quais variáveis, tanto individuais, quanto de contexto, poderiam estar relacionadas com o trauma dentário em adolescentes. Para fazer esse tipo de análise utilizamos o modelo de Andersen, modelo que visualiza tanto variáveis individuais de necessidades, predispostas e facilitadoras, quanto contextuais, também de necessidades, predispostas e facilitadoras ”, explica Rafael.
A pesquisa envolveu traumas como lesão traumática dentária (LTD), de acordo com a preconização da OMS (Organização Mundial da Saúde) atingindo esmalte ou dentina (com ou sem exposição pulpar) dos dentes. Foram analisados 5.558 adolescentes, de 177 municípios, em todo o estado de São Paulo.
“Analisamos como variáveis individuais predispostas dos adolescentes o gênero, faixa etária, dividida em menores e maiores de idade, escolaridade, etnia, overjet – relação entre a maxila e a mandíbula, e relação molar”, afirma o professor Rafael.
Como variáveis contextuais predispostas foram avaliados porte da cidade e IDH – Municipal. Analisaram ainda componentes facilitadores individuais (renda per capta e tipo de serviço utilizado, se público ou particular) e contextuais facilitadoras (relação habitantes/dentista, cobertura da Equipe de Saúde da Família e renda média familiar), necessidades individuais (satisfação e percepção do adolescente em relação ao tratamento) e necessidades contextuais (média de escovação supervisionada, número de consultas e exodontias – extrações odontológicas por cidade), bem como comportamentos de saúde.
Resultados
Foram feitas regressões logísticas multiníveis para fazer as associações, utilizando o modelo comportamental de Andersen para instruir as análises.
A prevalência de trauma nos adolescentes foi de 1,42% considerando os pesos amostrais, taxa considerada baixa, mas mesmo assim, segundo o coordenador, o estudo teve grande poder, por ter uma amostra bem delineada, dividida por setores censitários e proporcional ao tamanho dos municípios paulistas.
“Fatores individuais e contextuais de necessidade, predisponentes, facilitadores e comportamentos de saúde tiveram associação com as lesões dentárias traumáticas. Na análise ajustada, o gênero masculino prevalece quanto ao número de ocorrências: meninos tiveram aproximadamente 68% mais traumas que as meninas, valor significativo”, afirma Rafael.
Esse percentual se deve principalmente ao fato de os meninos praticarem mais esportes de contato. Por isso, a prevalência de trauma seja maior. O professor Rafael alerta para a importância do protetor bucal como forma de prevenir as lesões dentárias traumáticas, principalmente quando na prática de esportes como lutas, basquete, futebol e qualquer esporte que tenha contato.
A característica contextual da renda média familiar da cidade também foi um fator de risco, cerca de 2,5 vezes maior de ocorrência de trauma. O número maior de consultas odontológicas realizadas pelos municípios protege quanto à prevalência do trauma em torno de 60%. Da mesma forma, a cobertura estratégia de saúde da família acima de 50% da população também atuou como um fator de proteção.
O tempo da última consulta também foi um valor significativo. Quem visitou o dentista há mais de três anos, teve maior prevalência de trauma. As lesões dentárias traumáticas variaram 13% aproximadamente entre as cidades, sendo o índice menor nas de pequeno porte e maior nas cidades grandes.
“Concluímos que pelo menos uma variável, tanto individual como contextual de predisposição, facilitadora ou de necessidade, foi associada ao trauma em adolescentes brasileiros de 15 a 19 anos de idade. Como foi uma amostra no Estado inteiro, onde há diferentes IDHs, contextos diferentes, podemos generalizar os achados da pesquisa”, expõe.
Em artigo publicado pelo professor Rafael na Dental Traumatology, em 2017, com análise de crianças de 12 anos de idade de todas as regiões do país, a prevalência de trauma dentário foi 23%, o que contrastou com o 1,42% dos adolescentes.
“Talvez os adolescentes procuram mais os serviços resolutivos no que diz respeito aos aspectos relativos à qualidade de vida relacionada à saúde bucal, pois eles estão na fase de serem aceitos pelos seus pares, o que contrastou numa redução do trauma de 23% aos 12 anos para 1,42% aos 15-19 anos” explica.
“Todas essas informações irão ajudar no planejamento de ações, tanto preventivas quanto de tratamento do trauma, especialmente em cidades médias e mais populosas, onde o risco para lesões dentárias traumáticas é maior. Para futuras pesquisas, pontuamos no artigo que muito pouco é discutido na literatura em relação ao estresse, depressão e ansiedade dos adolescentes, dando uma especial atenção principalmente ao uso de drogas e álcool e suas implicações para a saúde bucal”.
Paula Pimenta