Cerca de 120 profissionais da área da saúde, de 31 municípios de Mato Grosso do Sul, receberam capacitação sobre o implante subdérmico hormonal, conhecido pelo nome de Implanon®, na Cidade Universitária. A ação integrou o projeto de extensão Atenção à saúde sexual e reprodutiva no âmbito da Atenção Primária à Saúde, que também contribui para disseminar a informação sobre os métodos contraceptivos.
A iniciativa é coordenada pelo professor da Faculdade de Medicina (Famed), Sebastião Júnior Henrique Duarte, e teve início em 2023. O implante é um dos métodos contraceptivos de longa ação, e possui duração de até três anos, período em que previne a gravidez de um pouco mais de 99% das mulheres que o utilizam. Com o objetivo de auxiliar na melhora da qualidade de vida das cidadãs, o professor se aliou a estudantes e outros docentes da Famed, além de profissionais que atuam na Estratégia de Saúde da Família de Campo Grande e no Instituto Penal Irmã Zorzi, para colocar em prática o projeto de extensão.
As atividades tiveram início no ano passado, no Laboratório de Simulação Realística da Famed, na Cidade Universitária, onde a equipe teve a oportunidade de treinar a inserção do dispositivo intrauterino (DIU) em pelve mecânica, e a manipulação de outros métodos contraceptivos, como o anel hormonal e anticoncepcionais injetáveis e pílulas. Além de capacitar os profissionais da área, o encontro presencial realizado em outubro ainda atendeu mais de 30 pacientes que aguardavam na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) para inserção do implante subdérmico, e contou com apoio da empresa Organon e da Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande.
Ainda que a prática seja uma das melhores formas de promover mudanças reais na sociedade, o grupo ainda se preocupa em contribuir com o ensino e a educação permanentes. Foi justamente por isso que os envolvidos desenvolveram o Manual de métodos contraceptivos, livro que reúne conteúdos para diversas faixas etárias sobre a saúde sexual e reprodutiva, sendo voltado principalmente para adolescentes, professores do ensino médio e profissionais de saúde. A produção foi elaborada nos formatos digital, impresso e áudio book, e tem previsão lançamento para março deste ano.
“Em que pese o planejamento familiar ser da responsabilidade dos gestores dos serviços públicos, toda a sociedade deve envidar esforços para colaborar com estratégias para melhorar a vida das famílias. A Universidade vai além de formar recursos humanos para o trabalho em saúde, ao qualificar profissionais para operacionalizar ações da política pública de planejamento familiar”, afirma o coordenador da ação.
Atenção à saúde sexual e reprodutiva das mulheres como ferramenta emancipatória
Há três décadas, o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, realizado no Cairo, se tornou um marco decisivo na evolução dos direitos das mulheres, especialmente sobre a capacidade em tomar decisões acerca de seus próprios corpos. Pela primeira vez, as políticas populacionais passaram a reconhecer os direitos humanos e a ampliação da ação da mulher como fatores determinantes da qualidade de vida dos cidadãos. Controlar a própria fecundidade, ao lado da igualdade de gênero e do empoderamento feminino, deveriam ser o centro dos programas relacionados ao desenvolvimento, mas essa ainda não é a realidade.
De acordo com o Relatório Situação da População Mundial 2023, desenvolvido pelo Fundo de População das Nações Unidas, mais de 40% de mulheres e meninas, de 68 países, afirmam que não têm o direito de tomar suas próprias decisões quando o assunto é vida sexual, uso de métodos contraceptivos e a busca por cuidados de saúde. O relatório ainda recomenda que o planejamento familiar não seja empregado como uma ferramenta para atingir metas de fecundidade, e que os governos instituam políticas com igualdade de gênero e direitos, como programas de licença parental, créditos fiscais para crianças, acesso universal à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos.
O coordenador do projeto de extensão explica que a gestação não planejada pode afetar diversos segmentos da vida das mulheres, principalmente a saúde, a educação e a economia. “No Brasil, o planejamento familiar está inserido em política pública de saúde e deve ser disponibilizado à população pelo SUS, inclusive às mulheres em privação da liberdade. Mas, é escasso o número de mulheres em idade fértil que usam métodos contraceptivos não-hormonais, como o DIU de cobre. A falta de informação e a insuficiência de serviços de saúde pública equipados, figuram entre os motivos para a baixa adesão a este recurso, capaz de prevenir a gravidez por até 10 anos”.
A Organização Pan-Americana da Saúde destaca que, diariamente, cerca de 830 mulheres morrem ao redor do mundo por complicações relacionadas ao parto ou à gravidez, sendo que a mortalidade é mais elevada entre adolescentes, e em áreas rurais e comunidades vulneráveis. Como parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a meta é reduzir a taxa global de mortalidade materna para menos de 70 a cada 100 mil nascidos vivos até 2030. Segundo o professor da Famed, entre as causas das mortes está o aborto provocado e suas consequências, como hemorragias e infecções generalizadas, por exemplo. “Se todas as mulheres tivessem acesso a métodos contraceptivos, então muitas mortes seriam evitadas”.
A estudante do Curso de Medicina, Wiviany Coelho de Menezes, que atuou no projeto de extensão no semestre passado, conta que a participação foi enriquecedora, já que conseguiu tanto ter contato com a parte científica quanto com a parte prática . “O professor primeiro fez um curso de instrução de como implantar o DIU, e depois executamos na prática. Participei do atendimento e implantação do DIU na Unidade Básica de Saúde da Família Serradinho, e ainda atuamos escrevendo o e-book, que ainda está em processo de finalização. Escrevi o capítulo sobre a anatomia feminina e ainda produzimos um artigo como resultado desse nosso encontro e experiência na colocação dos DIUs”, relata.
A ação de extensão também foi parar no Integra UFMS 2023, sob o título Planejamento Familiar: A inserção de métodos contraceptivos de longa duração em mulheres privadas de liberdade na Atenção Primária à Saúde. Com coordenação do professor Sebastião, Wiviany desenvolveu o projeto ao lado de mais sete estudantes, e ainda figura nos anais do maior evento de ciência, tecnologia, inovação e empreendedorismo de Mato Grosso do Sul, abordando o cuidado com a saúde sexual e reprodutiva das mulheres do Instituto Penal Irmã Zorzi.
Para o docente, considerando o contexto atual da saúde das mulheres no país, o setor da saúde sozinho não é capaz de provocar as mudanças necessárias para melhorar a qualidade de vida deste grupo populacional. Porém, quando aliado às instituições e órgãos compromissados com a sociedade, como a UFMS, o potencial de soma aumenta. “No total, cerca de 100 mulheres já foram atendidas com métodos contraceptivos de longa duração, vários enfermeiros e médicos capacitados para a assistência em planejamento familiar e a equipe está preparada para continuar contribuindo com a sociedade, há muito a ser feito”, encerra o professor.
Texto: Agatha Espírito Santo
Fotos: Arquivo pessoal do pesquisador