O crescente número de acidentes com escorpiões, inclusive com aumento de registro de óbitos, incita pesquisas além de suas picadas. Os cientistas querem saber também se há na peçonha e na hemolinfa substâncias com atividades antimicrobianas.
A “Investigação das atividades antimicrobianas e hemolítica da peçonha e hemolinfa dos escorpiões Tityus serrulatus e Tityus paraguayensis” é um desses estudos comandados pelo professor Malson Neilson de Lucena (Inbio).
“A espécie Tityus serrulatus, conhecido como escorpião amarelo, é a que mais causa acidentes graves em áreas urbanas, enquanto Tityus paraguayenis é uma espécie endêmica do estado do Mato Grosso do Sul. As peçonhas e hemolinfa de animais são ferramentas importantes para a realização de estudos bioquímicos, fisiológicos e patológicos, bem como para o desenvolvimento de novos produtos biotecnológicos e farmacêuticos”, explica o coordenador do projeto.
Hemolinfa é o fluido corporal circulante do corpo dos animais invertebrados e a peçonha é a substância tóxica produzida e inoculada pelo animal.
“O escorpião Tityus paraguayensis tem pouquíssimos estudos, é muito escassa a informação na literatura científica. Então, a padronização das amostras foi um pouco difícil. Trabalhamos tanto com a peçonha, que é o veneno, quanto com a hemolinfa. Vimos que esses animais têm alguma atividade contra bactérias, mas ainda precisamos refazer os testes para poder confirmar realmente esses resultados”, diz o pesquisador
Não foi identificada ainda atividade antifúngica, mas confirmou-se atividade antibactericida para a bactéria Staphylococcus aureus.
Da mesma forma, em primeiro ensaio, não foi registrada atividade hemolítica. “Usamos um sangue artificial, sintético, e agora vamos submeter ao Comitê de Ética de Pesquisa em Seres Humanos”, completa.
A coleta de animais é o ponto mais limitante e difícil do estudo. Do escorpião Tityus serrulatus, que ocorre em zona urbana, aparecendo em várias residências, o grupo de pesquisa recebeu 15 indivíduos no Inbio. Já do Tityus paraguayensis foram coletados 60 animais na reserva natural da UFMS, chamada de Cerradinho.
“Esse produz muito menos peçonha, então precisávamos de uma quantidade muito maior para obter a mesma quantidade de veneno em relação ao amarelo”, diz Malson.
O escorpião amarelo ocorre em praticamente todo o Brasil, principalmente no Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste. De todos, é o mais estudado e já existem inúmeros compostos com várias outras atividades isoladas.
“Escolhemos estudar o amarelo aqui para ver se tem diferença com os de outras cidades ou regiões. Fazemos alguns estudos bioquímicos para ver o perfil e quais moléculas têm”, explica.
Os pesquisadores fizeram um perfil de eletroforese na análise da composição de proteínas e peptídeos das duas espécies para comparação.
“Vimos que tem algumas proteínas e peptídeos que são iguais, isso significa que a peçonha de T. paraguayensis pode ter compostos com atividade. E alguns desses compostos só existem nessa espécie”.
Os estudos estão sendo conduzidos no Laboratório de Bioquímica Geral e de Microrganismos e tem a colaboração dos professores Jeandre Augusto dos Santos Jaques e Maria Carolina Marques (Inbio) e de dois mestrandos do Programa de Pós-graduação em Bioquímica e Biologia Molecular e uma graduanda de Ciências Biológicas em Iniciação Científica.
Estudos de casos em Campo Grande
“Fizemos um estudo retrospectivo sobre os casos de 2008 a 2017, que demonstrou que os casos de picadas vêm aumentando em Campo Grande. Além disso, dados não oficiais apontam que em 2019 houve um grande aumento em relação a 2018, em mais de 15%. O estado segue a mesma tendência. Em todo o Brasil, o número de acidentes com escorpião já é maior do que com serpentes e cobras, sendo que até 2015 era o contrário”, expõe o professor Malson.
Os pesquisadores tem também um projeto para investigar esse perfil epidemiológico, e já estão submetendo ao
Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos para poder acessar as fichas. Será feito um estudo de 2005 a 2020 sobre os casos com acidentes com escorpião na Capital.
A preocupação com os acidentes e o desconhecimento levaram o professor Malson a participar do edital de Cadernos da Pós-graduação (Propp/Agecom) para produzir uma cartilha educacional.
“Pensei em fazer uma cartilha para a população, porque existe muita confusão no reconhecimento das espécies e nem todas são peçonhentas. Alertar, por exemplo, que não adianta jogar veneno, porque são resistentes, conseguem fechar as cavidades do seu pulmão para não inalar”, afirma Malson.
A cartilha irá mostrar quais as espécies mais perigosas, com explicações e imagens, destacando a espécie endêmica da Mato Grosso do Sul: o T. paraguayensis.
Há informações das 16 espécies que ocorrem no estado, a localização das cidades onde foram identificadas, as principais de interesse médico, como evitar os acidentes, explicações sobre o tratamento dos sintomas nos casos leves e aplicação do soro antiescorpiônico nos casos moderado a grave.
“Tudo isso de forma bem direta, objetiva, porque o nosso público alvo é principalmente estudantes e professores da rede básica de ensino, que nos procuram bastante. Dessa forma, esperamos que eles possam disseminar a informação correta. Também seria interessante que os agentes de saúde, que trabalham nas UBS, recebessem”, assegura.
Texto: Paula Pimenta