Estudo avalia cobertura, efeitos adversos e hesitação em relação à vacinação

Desde 2015, o Brasil vem registrando queda nos números de vacinação. Em consequência disso, as metas não têm sido cumpridas, aumentando o risco do surgimento de novos casos de doenças até então eliminadas e/ou controladas, como a poliomielite. O sarampo, por exemplo, que havia sido eliminado, por conta da baixa cobertura vacinal ressurgiu em 2019 e se espalhou por diversos estados.

“Em face ao cenário que vivemos, o grupo de pesquisa em Saúde Coletiva, da Faculdade de Medicina (Famed), está conduzindo o projeto Avaliação de aspectos relacionados à vacinação: cobertura, efeitos adversos e hesitação. Trata-se de uma ampla ação de pesquisa que engloba dois recortes metodológicos: um que será fundamentado em dados secundários (registros de vacinação contidos no sistema de informação da Secretaria Municipal de Saúde (Sesau) e outro com dados primários, que estão sendo coletados em um inquérito domiciliar de base populacional”, explica o professor da Famed e coordenador da pesquisa Everton Falcão de Oliveira.

O estudo conta também com as professoras Cláudia Du Bocage Santos Pinto e Maria Elizabeth Araújo Ajalla, além de três estudantes do Programa de Pós-Graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias (PPGDIP): Ana Isabel do Nascimento, Danilo dos Santos Conrado e Danielli de Almeida Moura e nove da graduação em Medicina: Micael Viana de Azevedo, Gabriel Serrano Ramires Koch, João César Pereira da Cunha, Laysa Gomes Osório, Letícia Suemi Arakaki, Samara Tessari Pires, Maria Eduarda de Souza Rodrigues, Sara Raquel Pinto Borges, Rodrigo Mayer Pucci e Robson Franca Gomes e Silva.

“Nosso grupo de pesquisa sempre trabalhou com temáticas relacionadas à saúde coletiva, como epidemiologia e avaliação de serviços e políticas públicas de saúde. A emergência e reemergência de doenças que já estavam controladas no Brasil, como a coqueluche em 2011/2013 e o sarampo em 2019, despertaram nosso interesse para estudar a cobertura vacinal da população de Campo Grande e também para investigar os possíveis fatores relacionados com a redução dos percentuais de cobertura vacinal, fenômeno que tem sido observado em todo o mundo desde a década passada”, ressalta o professor Everton.

O professor destaca, ainda, que com a pandemia de Covid-19, permeada por diversos debates sobre a segurança e efetividade das vacinas (incluindo os conceitos relacionados com a hesitação vacinal), o grupo somou esforços para elaborar esse projeto de pesquisa com base na hipótese de que a hesitação vacinal desempenha um importante papel na redução das coberturas vacinais em Mato Grosso do Sul, o que tem contribuído para a diminuição dos benefícios adquiridos ao se vacinar, e ao aumento do risco de adoecimento.

“O objetivo geral é avaliar questões relacionadas à vacinação em Mato Grosso do Sul, no que se refere à cobertura e hesitação vacinal, ocorrência de efeitos adversos pós-vacinação e gestão do programa de imunização nos âmbitos municipal e estadual. Para isso, estamos realizando um estudo descritivo transversal para a descrição do perfil clínico e epidemiológico dos casos confirmados das doenças imunopreveníveis, que estão na relação de agravos de notificação e  cujas vacinas estão disponíveis no Programa Nacional de Imunizações (PNI), no Estado; e um inquérito domiciliar de base populacional para estimar a coberta vacinal de todas as vacinas disponíveis no PNI e também para avaliar a hesitação e recusa vacinal”, detalha a professora Cláudia.

De acordo com ela, o estudo que descreverá o perfil do perfil clínico e epidemiológico dos casos confirmados das doenças imunopreveníveis, já está em andamento e integra a dissertação de mestrado da acadêmica Danielli Moura, do PPGDIP. “O inquérito domiciliar foi iniciado no dia 10 de setembro. Estamos na fase do estudo piloto, que visa estimar o tempo de coleta em campo e quantidade de residências que conseguiremos visitar por hora. Estimamos que o inquérito domiciliar tenha duração de 18 meses”, fala.

Cerca de 900 domicílios serão incluídos no estudo. Segundo o grupo de pesquisadores, a metodologia do projeto inclui todos os residentes destes domicílios que serão amostrados aleatoriamente (amostragem por conglomerados com sorteio simples das residências). Considerando que cada residência tenha, em média, três moradores, o grupo deve entrevistar cerca de 2,7 a 3mil pessoas.

“Para o delineamento do projeto e execução da amostragem por conglomerados, contamos com o suporte de professores pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – Ana Paula Sayuri Sato, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Márcio José de Medeiros e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Guilherme Loureiro Werneck”, explica a professora Maria Elizabeth. “A queda da cobertura vacinal vem sendo amplamente discutida pela mídia, na gestão, entre os profissionais da assistência e no meio acadêmico, cabendo a esse último trazer as respostas demandadas para reversão da situação, a exemplo da recente iniciativa do Ministério da Saúde em parceria com a Fiocruz, lançada em dezembro de 2021: Reconquista das Altas Coberturas Vacinais”, diz a professora.  O professor explica que essa iniciativa visa elucidar questões e fornecer subsídios para a proposição e adoção de estratégias que promovam o aumento dos percentuais de cobertura vacinal, por meio de uma rede de colaboração interinstitucional, envolvendo atores nacionais e internacionais dos setores governamental, não governamental e privado, em torno da melhoria da cobertura vacinal brasileira.

Experiência para estudantes

Para os acadêmicos de graduação e pós-graduação a experiência tem sido importante tanto para a formação e qualificação profissional, como para a inserção no ambiente da pesquisa. “Sou estudante de iniciação científica na pesquisa sobre hesitação vacinal ou recusa vacinal. Auxílio em diversas atividades como ir a campo para realizar a coleta de dados, organização do banco de dados da pesquisa e escrita de textos para artigo científico, dentre outras demandas que necessitam ser realizadas no decorrer da pesquisa. Realizo tudo isso sob o olhar de nossos orientadores que são muito dedicados em transmitir tudo que sabem para nós, na teoria e na prática. É muito gratificante poder participar deste projeto. Primeiro porque estamos iniciando a pesquisa agora”, conta o acadêmico de Medicina Micael Viana de Azevedo.

“Estou tendo a oportunidade de conhecer na prática todo o percurso que precisa ser trilhado desde o início da elaboração de um projeto de pesquisa até a publicação do artigo. Em segundo lugar, quando vamos pessoalmente em cada residência para fazer a coleta de dados, entramos em contato com a população. Neste momento vivemos experiências ímpares que nos tornam mais humanos. Isso tem me sensibilizado muito, pois nos deparamos com algumas realidades tristes. Tenho certeza que estou tendo uma oportunidade única que irá ser um diferencial após minha formação em inúmeros aspectos”, acrescenta.

Ana Isabel do Nascimento se formou em 2021 em Farmácia pela UFMS e ingressou neste ano, no mestrado do PPGDIP. “O projeto é muito importante, principalmente pela situação que vivemos em relação à vacinação no nosso país atualmente. Para mim, é poder fazer o que eu amo: pesquisar. O trabalho de campo é muito engrandecedor, desde a graduação sempre amei muito e agora poder participar mais ativamente, dedicando-me exclusivamente para isso é um sonho! No caminho aprendemos muito, não apenas individualmente, mas como equipe. Poder planejar, coloca em prática, errar e acertar é sempre um grande aprendizado. Além das competências em desenvolvimento de pesquisas que posso aprender com os pesquisadores maravilhosos envolvidos”, destaca. “Nós estamos indo nas residências selecionadas e entrevistando os moradores, coletando os dados e as perspectivas individuais acerca da vacinação no geral. Além disso, tem toda essa parte do planejamento que é super importante para que funcione tudo bem!”, complementa.

“O projeto mostra-se de extrema importância no atual cenário e é uma experiência bem enriquecedora, pois os participantes atuam em todas as etapas da pesquisa, desde a coleta de dados, bem como de sua interpretação. No primeiro momento, estou ajudando na coleta de dados em domicílios por meio da aplicação de questionário sobre vacinação”, fala acadêmica de Medicina Letícia Suemi Arakaki. “Com o objetivo de compreender os aspectos sociais, econômicos e culturais que envolvem a hesitação vacinal, acredito que o projeto será de grande relevância para a minha formação, dado que, o esclarecimento acerca do perfil dessa população me ajudará como profissional de saúde a criar medidas de orientação sobre a importância da vacinação e, consequentemente aumentar adesão à vacina neste determinado grupo”.

Expectativas

O professor Everton espera que, a partir dessa proposta, o grupo obtenha estimativas acerca da cobertura vacinal a fim de possibilitar a identificação de fatores associados com a queda nos percentuais de cobertura vacinal nos últimos anos. “Como o projeto contempla dois métodos de estimativa da cobertura vacinal, a sensibilidade dos registros informatizados de imunização será avaliada, o que fornecerá elementos para o planejamento e execução das intervenções que visam o aumento e melhoria dos indicadores de saúde referentes a imunização”.

“Podemos citar, ainda, a devolutiva dos resultados desse estudo para os gestores, fornecendo dados concretos sobre a situação da cobertura vacinal no estado e no município de Campo Grande, caracterizando a integração entre universidade e serviços de saúde”, completa. “Recentemente, governadora de Nova Iorque (EUA), Kathy Hochul, declarou estado de emergência diante da evidência de que o vírus da poliomielite está circulando por lá. O risco da reintrodução da pólio no Brasil, após 32 anos do último caso também é real e iminente, devido a múltiplos fatores, entre eles, os cortes orçamentários no SUS e a grande desinformação circulante e agravada durante o período da pandemia de covid-19. Este cenário, associado a outras emergências em saúde pública relacionadas às doenças imunopreveníveis (influenza, sarampo, rubéola, febre amarela, coqueluche, entre outros), reafirma a importância do projeto para estimar a real cobertura vacinal da população de Campo Grande e também para conhecer os aspectos relacionados aos acessos aos serviços de saúde que dispõem de salas de vacina e hesitação vacinal”, finaliza o coordenador da pesquisa.

 

Texto: Vanessa Amin, com informações da Agência Brasil

Fotografias: Vanessa Amin e acervo do Grupo de Saúde Coletiva da Famed