Estudo apura transtorno mental em desempregadas

Entre 2013 e 2016 uma pesquisa realizada em Campo Grande e Corumbá verificou a prevalência de Transtorno Mental Comum (TMC) nas mulheres em busca de emprego, em desemprego aberto ou em desemprego oculto por trabalho precário (informalidade). Segundo a coordenadora, professora Vanessa Catherina Neumann Figueiredo que atua no curso de Psicologia e nos mestrados em Educação e em Estudos Fronteiriços do Câmpus do Pantanal, o objetivo foi averiguar a associação entre o tempo de desemprego e a frequência de TMC.

Grupo de pesquisadoras avaliou 393 mulheres

Contribuíram para a pesquisa a psicóloga Renata Camargo de Souza Veron Esnarriaga, formada pela UFMS/CPAN; as acadêmicas de Psicologia Fatima Taher Asrieh, bolsista de iniciação científica, Edinara Anderson Affeldt, Bruna Rodrigues do Nascimento, Veridianna Queiroz, Alana Valério Casagrande e Adriane Vargas Barbosa; e os mestrandos Pamela Arruda Vasconcellos, Maria Rita Ferreira, Marcio Alexandre da Silva e Eiza Nádila Bassoli. A pesquisa contou também com os professores Wilson de Mello, Luís Fernando Galvão, Pablo Cardoso e Ilídio Roda Neves e com reflexões realizadas pelo grupo de pesquisa “Saúde mental e trabalho na fronteira”. O projeto teve o financiamento do Edital Chamada FUNDECT/CNPq N° 05/2011.

Pesquisadoras delinearam perfil das entrevistadas

Para o estudo os pesquisadores delinearam o perfil socioeconômico e demográfico das mulheres, incluindo as características educacionais e profissionais; levantaram os principais obstáculos para sua reinserção no mercado de trabalho; mapearam seus principais sentimentos em relação ao mundo do trabalho atual; verificaram a associação entre TMC e tempo de desemprego e propuseram serviços de atendimento a essa população.

Participaram da pesquisa mulheres desempregadas ou que trabalhavam em empregos informais que estavam cadastradas nos Centros de Atendimento Integral ao Trabalhador (CIAT´s) dos dois municípios, sendo 200 na Capital e 193 em Corumbá. “Aplicamos um questionário socioeconômico e ocupacional com questões retiradas da Escala de Avaliação do Sofrimento Psíquico-Social de Trabalhadores Desempregados sobre sofrimento psíquico e social e a escala SRQ-20. Para a realização das análises descritivas e dos testes estatísticos utilizamos o programa SPSS para Windows versão 10, e calculamos a frequência das variáveis de interesse na amostra geral e por cidade”, explica a professora.

Resultados – Foram entrevistadas 393 desempregadas, sendo 57% solteiras, 43% com idade variando entre 18 e 25 anos e 61,1% com filhos. Quanto à escolaridade, uma desempregada não era alfabetizada, 38,2% tinham ensino médio completo, 7,1% tinham ensino superior completo, 28,2% disseram que continuavam estudando, 60,1% relataram ter alguma qualificação e 56,2% alguma capacitação. Da amostra geral, 25% começaram a trabalhar entre os 14 e os 16 anos e 19,3% antes dos 14 anos. Ainda na amostra total, o grupo que nunca trabalhou e os grupos que começaram a trabalhar mais tarde apresentaram menores percentuais de participantes que abandonaram os estudos.

Quanto às condições de moradia, 24,2% disseram que viviam em quatro pessoas na casa, 43,3% em casa própria quitada, 98,2% na zona urbana, 94,9% tinham serviço de água, 73,5% de esgoto, 97,7% energia elétrica, visto que 95,2% contavam com geladeira, 29,3% carro, 31,6% telefone fixo 94,1% celular, 43,8% computador e 36,4% internet. Das entrevistadas 26,2% recebiam algum benefício social e 50,4% tiveram que parar de estudar para trabalhar.

Verificou-se que 27,5% das mulheres apresentaram Transtorno Mental Comum (TCM) e 29,6% sofrimento psíquico-social, e dessas, 59% apresentaram sofrimento interno e 10,1% sofrimento social. Em Campo Grande, a prevalência de TMC foi 30,5% e em Corumbá foi de 24,4% entre as desempregadas estudadas. “Verificou-se maior presença de TMC no grupo que estava procurando emprego entre seis meses e um ano, mas não foi significante para estabelecer a associação entre transtorno mental e estar em busca de emprego há dois anos ou mais”, comentou Vanessa. Os dados indicaram que quanto maior o tempo de procura frustrada por um emprego, maior a possibilidade de inserção em trabalhos precários (informal). Correlacionado a isso, os grupos de participantes com maior tempo de busca de emprego apresentaram menor percentual de participantes em situação de desemprego aberto, sugerindo a necessidade de inserção em algum trabalho, mesmo informal, para obtenção de renda.

O grupo com maior tempo de busca apresentou menor proporção de participantes com ensino fundamental completo ou médio incompleto (14,5%) e maior proporção de participantes com ensino médio completo ou superior incompleto (58,2%), evidenciando que a dificuldade de encontrar emprego tem se manifestado também entre pessoas com maior escolaridade.

Os principais obstáculos relatados para a reinserção no mercado de trabalho foram a falta de estudo, de emprego, de experiência, a capacitação inadequada e o fato de ser mulher. Quanto aos sentimentos frente à situação de desemprego, em Campo Grande constatou-se que 66% se sentem inseguras, 54,7% estressadas, 67,6% envergonhadas, 72,3% tristes, 68,6% ansiosas, 61,5% com medo de não conseguir emprego, 59,2% desanimadas, 55,8% angustiadas. Em Corumbá, 75,4% se sentem inseguras, 57% estressadas, 73,2% envergonhadas, 77,4% tristes, 67,9% ansiosas, 64,2% com medo de não conseguir emprego, 63,2% desanimadas, 51,1% angustiadas. “Na amostra total, foi verificada associação entre a renda/salário mensal e sentir-se envergonhada, e renda/salário mensal e medo de não conseguir arrumar trabalho. Em ambas as associações o grupo sem renda apresentou maior percentual de participantes com presença de sofrimento”, relata a professora.

Vanessa complementa que entender a relação entre sofrimento psíquico, transtornos mentais e desemprego ainda carece de maior atenção por parte dos pesquisadores, “ainda mais em tempos em que o emprego estável se tornou cada vez mais raro. Para que seja possível entender as repercussões psíquicas e sociais da busca por um emprego, e encontrar formas de agir e intervir em busca de auxiliar as pessoas que estão na zona de vulnerabilidade social, é necessário que haja embasamento científico para as propostas que se dediquem à promoção da saúde mental dos trabalhadores, estejam eles empregados ou não”, finaliza.

Fotos: cedidas pela coordenadora da pesquisa