Dor e depressão de pacientes com câncer de mama ainda são negligenciados, aponta pesquisa

Outubro é cor de rosa para alertar as mulheres e a sociedade sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama. Mas nada cor de rosa são as dores e a depressão a que as pacientes diagnosticadas com a neoplasia maligna estão sujeitas, não raras vezes negligenciadas durante e pós-tratamento.

Essa situação foi estudada pela médica e pesquisadora Paula Oliveira Santiago em Mestrado no Programa de Pós-Graduação em Saúde e Desenvolvimento na Região Centro-Oeste/UFMS. Com o título “Percepção da dor e depressão em pacientes com câncer de mama”, a dissertação aborda a prática clínica e apresenta falhas no diagnóstico, aceitação e tratamento desses sintomas apresentados pelas mulheres com câncer.

“Fiz o Mestrado pensando nas mulheres com câncer de mama, pensando na dor. Infelizmente é um sintoma muito negligenciado por vários colegas médicos. Na prática clinica, vemos que a paciente muitas vezes acaba indo para um caminho de depressão, de pessimismo, pela intensidade álgica. Muitos falam que isso faz parte da doença, faz parte da aceitação, mas é um sintoma que precisa ser valorizado”, expõe a pesquisadora.

Além de dar causa ao sofrimento, à dor estão atreladas incapacidades, dificuldades psicossociais e econômicas. Cuidados paliativos, que se centram na qualidade de vida, e com isso reduzem ou eliminam as dores causadas pela doença ou pelo tratamento, levam à melhora clínica, segundo a médica.

“Durante a pesquisa verificamos se a dor é realmente um sintoma importante, se o que víamos na prática clinica se refletia no trabalho, e medimos com as escalas específicas para avaliação da dor. Notamos que realmente é um sintoma bem importante para os pacientes e que ainda está sendo pouco diagnosticado ou valorizado. Essas pacientes precisam ser melhores cuidadas”, enfatiza Paula.

Neoplasia maligna mais comum diagnosticada entre as mulheres, o câncer de mama é diagnosticado em cerca de 60 mil mulheres no Brasil a cada ano, conforme estimativas do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca).

Números

Oitenta e duas pacientes atendidas no Hospital do Câncer, em Campo Grande, participaram da pesquisa, realizada em 2017. Primeiramente, Paula Santiago utilizou a Escala Visual Analógica (EVA) – unidimensional, apara avaliar de 0 a 10 ou 100 a janela entre dor alguma e dor máxima sentida em toda a vida. Também foi utilizado o questionário de dor de McGill (MPQ) para aferir a intensidade álgica e a escala de Beck para avaliar a depressão.

Entre as mulheres que responderam às pesquisas, a média de idade foi de 57,96 anos, sendo 41,5% de raça branca, 36,6% de raça parda e 22% negra. Quase 49% autoclassificaram sua saúde como boa. O uso de analgésicos para aliviar as dores foi apontado por 46,3%, sendo 73% não opióides. Elas relataram presença de sintomas concomitantes à dor em 31,7% dos casos, sendo a cefaleia (46,2%) a mais citada, seguida de tontura (34,6%).

Na dissertação, a médica afirma que “a dor sofre variações até na maneira como o indivíduo a relata, pois há relacionamento com inúmeros fatores pessoais tais como: sexo, idade, personalidade, herança genética/cultural, necessidades comportamentais e experiências dolorosas pregressas. Não se deve negligenciar a descrição do paciente sobre o padrão, a intensidade e a natureza da mesma, considerando que, por ser subjetiva, somente o indivíduo pode descrevê-la da forma como é sentida”.

Se o médico utilizar as duas escalas (EVA e McGill), segundo Paula, haverá uma apuração melhor da dor. “Talvez se as escalas fossem usadas juntas no serviço de oncologia ou de dor e paliação, o problema seria melhor diagnosticado”, completa.

As pacientes responderam aos questionários e com relação à dor, a média ficou entre moderada a forte em uma das escalas, e apenas moderada na outra. Quando se verificou a depressão (Beck) – embora falassem que estavam bem, foi averiguado que as pacientes apresentavam depressão de leve a moderada, mesmo não usando antidepressivo e não tendo diagnóstico de depressão.

“A dor é negligenciada, primeiro porque é um sintoma subjetivo. Tem a questão de achar que faz parte da doença, por ser oncológico. Muito médico tem medo de receitar opióide, como a morfina. A maioria das pacientes não usa remédios fortes para dor, sendo que muito médicos temem que as pacientes fiquem viciadas, mas isso não é a realidade. O importante é acabar com esses sintomas. Temos de ajudar essas pacientes”, afirma Paula.

As dores são geralmente localizadas, na mama direita ou esquerda, ou na axila e apresentam-se como fisgadas, pontadas, queimação, formigamento. As dores, em geral, acontecem após os tratamentos com radioterapia, quimioterapia, pós-cirúrgico, hormonal, em combinação ou sozinhos. “Outras relatam que é uma dor geral, entram no conceito de dor total, estão em tanto sofrimento que tudo dói – é a dor da alma”, expõe a pesquisadora.

De acordo com levantamento da pesquisa, “uma média de 43% dos pacientes com câncer recebe cuidado inadequado com relação à dor, o que afirma a necessidade contínua de educação profissional nesta área. Cerca de 75% dos pacientes possuem sintomas álgicos relacionados diretamente com a neoplasia, o restante causado pelo tratamento antineoplásico”.

Para a médica, a pesquisa avança para o conhecimento do tema, pouco abordado. “Precisamos propiciar o tratamento adequado do paciente com dor oncológica de forma mais plena, como um todo, avaliando o doente não somente como portador da dor, mas sim de um sintoma que leva a incapacidade funcional, piora da qualidade de vida, distúrbios psiquiátricos como a depressão, podendo desta forma ser conduzido de modo mais humano, aliviando e prevenindo o sofrimento”, conclui.

Paula Pimenta