Fotos: Franco Leandro de Souza

Artigo publicado na Landscape and Urban Planning apresenta fatores que interferem na avifauna de Campo Grande

Conservar a biodiversidade e os serviços ecológicos frente ao desenvolvimento das cidades é um desafio para a humanidade que, em sua maior parte, aglomera-se em áreas urbanas. Uma das preocupações dos pesquisadores é como as espécies estão conseguindo adaptar-se diante das adversidades empostas pelas drásticas modificações nas paisagens naturais.

Na UFMS, um grupo de pesquisadores do Brasil e da Colômbia analisou as influências da estrutura do habitat da cidade na riqueza de aves em Campo Grande de forma a poder auxiliar no planejamento e gerenciamento de estratégias de conservação da biodiversidade urbana.

O artigo “Impervious surface and heterogeneity are opposite drivers to maintain bird richness in a Cerrado city”, publicado na renomada revista Landscape and Urban Planning (Elsevier), aponta três principais alertas: “reduzir a área de superfícies impermeáveis ​​é uma prioridade para cidades, tornando-as mais favoráveis ​​à biodiversidade; a heterogeneidade do habitat nas cidades pode ser alcançada através de jardins públicos e privados e as políticas de gerenciamento de áreas verdes devem considerar os estágios sucessionais da vegetação”.

Área urbana

Segundo o professor do Instituto de Biociências (Inbio) da UFMS Franco Leandro de Souza, um dos autores do artigo, para fazer a amostragem da avifauna de Campo Grande foi preciso delimitar apenas a área urbana.

Para a pesquisa, foram amostradas aves de 61 hexágonos (16 hectares cada), dentro de um total de 2.350 presentes na área urbana. O tamanho dos hexágonos foi definido considerando a área usual de habitat de várias espécies de pássaros do Cerrado, já que Campo Grande está inserida nesse bioma.

“Vimos que as espécies que habitam o Cerrado atingiam de 12 a 15 hectares, então as quadrículas (hexágonos) trabalhadas superavam um pouco. Não era uma área pequena, mas foi por conta dessa informação biológica que definimos esse tamanho”, explica o professor Franco.

O então doutorando Berinaldo Bueno, acompanhado do técnico do Inbio Francisco Severo-Neto, realizou durante dois meses, pela manhã e tarde, a observação e registro das aves, considerando quatro pontos dentro da amostragem, distantes uns 200 metros cada um. Para cada ponto, foram contados número de espécies e número de indivíduos de cada uma.

“Além disso, ao redor desse ponto, eles contavam quantas casas e edifícios havia, número de árvores, altura das árvores e das edificações. Depois, verificamos qual era o grau de impermeabilização dessa área, em termos de cobertura de asfalto, casa, telhado, e também víamos quanto havia de vegetação geral, em espécies e quantidade”, expõe Franco.

Dessa forma, os pesquisadores levantaram 107 espécies de aves dentro da cidade – estima-se que em todo o município existam 360 espécies – e quais as características do ambiente estavam associadas a essa diversidade. “Vimos que 30% das espécies que existem no município estão dentro da cidade, um número considerável”, diz.

As 107 espécies foram separadas em cinco grupos de alimentação de aves: frugívoro, nectarívoro, granívoro, onívoro e insetívoro e as análises foram associada a essa diversidade.

Entre as variáveis medidas, a impermeabilização de áreas foi a que mostrou maior interferência na presença ou não dos pássaros. “Já sabíamos por literatura que quanto mais impermeável você deixa uma área, menor o número de espécies presentes. Isso acontece em qualquer lugar, trazendo uma série de intercorrência como ilhas de calor, por exemplo”, afirma o pesquisador.

Mas ao mesmo tempo que a impermeabilidade afeta negativamente a avifauna, a vegetação presente atrai os pássaros.

“Se por um lado a impermeabilização faz com que diminua o número de indivíduos, por outro, essa estrutura do ambiente, em termos de vegetação, faz com que alguns grupos aumentem. E por que? Provavelmente, nessas áreas existem elementos como jardins, praças, que localmente criam estruturas, em termos de vegetação, que beneficiam as espécies. Além de hábitos dos moradores de terem em suas casas bebedouros ou comedouros para as aves, que de alguma maneira conseguem aproveitar isso”, analisa Franco.

Por isso, sinalizam os pesquisadores, reduzir as áreas impermeáveis é importante. “Dentro do Plano Diretor dos municípios, é preciso que sempre estejam previstas áreas como praças, algumas ruas e avenidas com canteiros largos, onde possa crescer a vegetação. Quanto maior a diversidade de ambientes, obviamente, mais espécies haverá”.

Numa questão mais local, priorizar ambientes propícios para as espécies da avifauna nos jardins das casas e edifícios. “Isso é uma coisa incipiente, em termos de pesquisas no Brasil, mas os estudos têm mostrado que associar a presença de biodiversidade em espaços públicos e privados, seja jardins, praças, com uma série de variáveis ambientais, traz bem-estar maior às pessoas. Mensagem importante quando se planeja bairros. É preciso considerar ter lugares de acesso para as pessoas terem essa vivência com a natureza”.

Biodiversidade

Entre as aves amostradas, aparecem algumas associadas a ambientes mais preservados, como a Curruíra. São pássaros aparentemente comuns, mas que não estão distribuídos de uma maneira homogênea na cidade. Preferem áreas com terreno baldio, com vegetação arbustiva baixa. Segundo o professor Franco, essa vegetação substitui ou mimetiza aqueles ambientes naturais em que a espécie ocorreria se não tivessem as cidades. Outro exemplo é o bem-te-vi que, embora muito comum, normalmente é encontrado nas proximidades de casas com piscinas ou fontes e muitos fazem ninhos nos postes. “Na cidade, os bichos procuram as características que antes tinham no ambiente natural e alguns conseguem ser maleáveis ao ponto de sobreviver a essa realidade da cidade, transformando o que era natural pelo construído. Poste que substitui a árvore, piscina que substitui a lagoa, o rio”, aponta.

Muitas dessas espécies são endêmicas do Cerrado e encontradas somente nesse tipo de vegetação, caso da ave Soldadinho. “Os endêmicos têm um problema maior em termos de conservação, porque se desaparecer essa vegetação característica do Cerrado, desaparecerão alguns desses indivíduos”.

Campo Grande também é uma região que recebe bastante espécie migratória. Nessa época do ano, está chegando a Tesourinha, por exemplo.

Os pesquisadores concluem que manter a vegetação é primordial aos amigos da biodiversidade. Sejam grandes fragmentos, como o Parque dos Poderes, praças em bairros, avenidas e ruas arborizadas, casas e edifícios com jardins, terrenos baldios. Essa realidade não é apenas favorável às aves, mas a outras espécies como abelhas, borboletas, e muitas outras que prestam serviços ecológicos, como polinização, controle de pragas.

“Em novos estudos, vamos analisar como essas espécies lidam com o ambiente, qual a importância dessas espécies para o bem-estar humano, tentado trilhar um caminho não apenas de observação, mas ver com outros olhos a importância para o ecossistema. Quando se perde biodiversidade se perde bem-estar e serviços”, completa Franco.

Paula Pimenta