Gêneros musicais populares de Mato Grosso do Sul estão sendo mapeados por acadêmicos do curso de Música que, por meio de pesquisas resultantes em trabalhos de conclusão de curso, desbravam as fortes influências locais.
Um dos gêneros sul-mato-grossenses que mais avança divisas é o sertanejo universitário, manifestação musical importantíssima no Estado, segundo o músico, orientador e professor do Curso de Música da UFMS Evandro Rodrigues Higa.
“Campo Grande é um dos berços dessa ramificação da música sertaneja, ainda muito desprestigiada, tanto no meio acadêmico como no meio artístico, pois há muito preconceito. Esse gênero nasceu aqui, na Choperia do Rádio Clube, e é muito importante para a nossa configuração cultural. Acho que terá seu reconhecimento dentro de alguns anos, porque o tempo legitima as práticas”, afirma o professor.
Pesquisador do gênero, o então acadêmico Vinícius Hassã Alessio afirma que o Sertanejo Universitário é um gênero marcado por processos de hibridização com diversos outros gêneros musicais, com letras que abordam a vida noturna urbana por festas, baladas e desejo de ascensão social.
“O Sertanejo Universitário abriu um enorme mercado de trabalho na indústria do entretenimento, que inclui produtores artísticos, compositores, editoras, gravadoras, músicos, empresários e outros, todos envolvidos em uma complexa cadeia de produção, divulgação e consumo de canções”, completa Vinícius.
Residentes ou originários de Campo Grande, o Sertanejo Universitário expôs ao Brasil e ao mundo artistas como Luan Santana, Michel Teló, Munhoz e Mariano, Maria Cecília e Rodolfo, João Bosco e Vinícius, Jads e Jadson, entre outros, além de produtores locais que se tornaram referência no país, de acordo com o acadêmico.
Já Bruno Moslaves realizou um diagnóstico quanto aos aspectos estruturais e organizacionais das bandas de música de Campo Grande, entre elas Banda do Corpo de Bombeiros, Banda da Polícia Militar, Banda Municipal Maestro Ulisses Conceição e Banda Sinfônica da Universidade.
Então acadêmico, Bruno fez um resgate histórico e a comparação das bandas para saber como funcionavam, qual era a formação dos músicos, dos regentes, qual a estrutura física, quais as dificuldades – todas as enfrentam – informações que levantadas em trabalho acadêmico tem peso maior, segundo o orientador Evandro Higa.
No quesito formação, percebeu-se que o problema está sendo resolvido com um trabalho de formação continuada, principalmente com a graduação de músicos pela UFMS. “Metade de nossos alunos são instrumentistas ou regentes de bandas. Mas a questão orçamentária ainda pesa; no ano passado a Banda do Corpo de Bombeiros foi desativada”, exemplifica o professor Evandro.
“Os dados obtidos foram relevantes para pontuarmos as deficiências (falta de instrumentos, carência de músicos e falta de incentivo para estudos de aperfeiçoamento) e ao mesmo tempo benfeitorias (conexão com projetos sociais e difusão de música de concerto e entretenimento) de cada banda”, explica o músico Bruno Moslaves.
O projeto “Música de Fronteiras nas Escolas do Campo: Um estudo etnográfico no Assentamento Itamarati”, mostrou como a música de fronteira – Polca Paraguaia, Guarânia, Chamamé e Rasqueado – está presente dentro das práticas locais.
O chamamé, em específico, foi o gênero musical pesquisado pelo então acadêmico Emerson Inácio Diniz. A proposta foi fazer um “panorama sobre esse gênero musical, iniciando pela Argentina, na região nordeste, os paraguaios na região; as configurações musicais do Chamamé, as cristalizações deste como gênero musical chegando até Mato Grosso do Sul e os principais chamamezeiros”.
Esses estudos ajudaram a compor a pesquisa “Mapeamento de práticas e gêneros musicais populares em Mato Grosso do Sul” que não pode ser realizada em sua plenitude.
“O projeto previa viagens pelo Estado, mas como não tivemos orçamento, por não ser um projeto barato, pois previa viagens, não foi possível fazê-lo. Porém, em Campo Grande, estamos conseguindo produzir algum material por meio das pesquisas com os alunos”, explica o professor Evandro, que também coordena o Grupo de Pesquisa (CNPq) “Música: tradição, diversidade e contemporaneidade”.
História musical
Estudioso da música regional, o professor Evandro Higa afirma que “é difícil, dentro desse contexto pós-moderno, falar em música regional, porque na verdade, temos um mundo globalizado. Mas, paradoxalmente, quando há a impressão de que tudo irá se homogeneizar, as características locais acabam se afirmando com mais vigor essa cultura local”.
Quando da implantação do Estado, em 1977, havia a preocupação de qual seria a identidade cultural de Mato Grosso do Sul. “Nesse momento surge uma força muito interessante que foi a Música Popular Urbana, com os irmãos Espíndolas, Paulo Simões, Geraldo Roca e Almir Sater, que procurava se conectar com essa latino-americanidade. Isso ocorreu dentro do âmbito urbano, mas para o povão a música de fronteira continuava com muita força, com nomes como Beth e Bethinha, Délio e Delinha, Jandira e Benites, toda essa turma que hoje é a velha-guarda da música sertaneja e que já fazia uma música muito própria de Mato Grosso do Sul que, em minha opinião, é o Estado mais latino-americano de todos”, afirma o professor Evandro Higa.
Indícios históricos, de construção de práticas musicais mostram que nas fazendas, nas periferias da cidade, havia essa característica que hoje se detecta como fronteiriça. “Esse pessoal da música urbana hibridizou tudo isso com outras referências, do rock, da MPB, então fizeram outro trabalho de ressignificação dessa música fronteiriça. Mas o diferencial da música sul-mato-grossense é essa levada da Polca Paraguai, da Guarânia, do Chamamé e do Rasqueado”.
Essa música de fronteira foi pesquisada durante o Mestrado (ECA-USP) pelo professor Evandro Higa que publicou o livro “Polca Paraguaia, Guarânia e Chamamé – Estudo sobre três gêneros musicais em Campo Grande – MS”.
Com o título “Para fazer chorar as pedras: o gênero musical Guarânia no Brasil – décadas de 1940/50”, no Doutorado (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho), o professor Evandro aprofundou-se nesse que é um dos gêneros mais representativos da identidade cultural sul-mato-grossense.
“Tendo como base a estruturação rítmica realizada com superposição de compasso binário composto e acompanhamento ternário, esses gêneros se destacam no contexto musical brasileiro não apenas pelas suas qualidades musicais intrínsecas, mas também pela sua condição fronteiriça, o que lhe confere uma aura supranacional, fruto do antigo e intenso intercâmbio cultural com o Paraguai”, expõe o músico.