Os sítios paleontológicos, geológicos e arqueológicos estão mais perto do que muitos imaginam, e basta um olhar atento para descobrir que aqui mesmo no Mato Grosso do Sul existem fósseis e inúmeros outros restos de animais e plantas que viveram há milhões de anos. Pesquisadores e cientistas do mundo inteiro se revezam para colher descobertas gravadas em nosso solo e pedras, materiais orgânicos e inorgânicos, que narram a história da vida evolutiva no planeta Terra.
Quem nunca ouviu falar no fóssil da preguiça gigante em Bonito? Um mamífero que esteve presente na megafauna, há cerca de 20 ou 30 mil anos, e que caminhou pelo estado, sendo descoberto apenas em 1992, em uma expedição franco-brasileira na Gruta do Lago Azul. Achados arqueológicos como este só são possíveis com muito estudo, pesquisa de campo e incentivo financeiro de órgãos nacionais e internacionais.
Em 2021, a professora da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia Edna Maria Fancicani, sentiu a necessidade de criar um projeto de pesquisa que se destinasse a descobrir novos sítios paleontológicos, mapear e catalogar fósseis encontrados no estado para criar um acervo que estivesse disponível à toda comunidade interna e externa. Foi assim que surgiu o projeto de “Levantamento de campo e catalogação de fósseis no MS”, uma pesquisa que envolve cerca de 10 estudantes de graduação e pós-graduação que têm auxiliado em várias das descobertas desde então.
“Temos uma história geológica da evolução da vida muito bem contada aqui no nosso estado, e esse foi um dos principais motivos que me fizeram querer instituir a linha de pesquisa em paleontologia junto à nossa Instituição”, explica a professora. A riqueza geológica do MS impressiona quem se dedica à área, mas ainda faltam profissionais na região, o que significa que muito ainda precisa ser descoberto e contado à população.
A importância da paleontologia
Investigar o solo em busca do passado pode não ser tão compreensível para quem vê de fora, mas a coordenadora do projeto de pesquisa conta que essa é a melhor forma de descobrirmos o que aconteceu há milhões de anos, como algumas espécies se desenvolveram e como outras tantas se extinguiram. O início da vida no planeta, por exemplo, pode ser estudado em Corumbá, cidade que apresenta um afloramento de corumbellas, fósseis de um organismo pluricelular considerado um dos primeiros na evolução da vida.
“A vida é constituída da seguinte forma: as espécies vão evoluindo, algumas conseguem sobreviver ao longo do tempo geológico, porque a Terra tem bilhões de anos, a vida mais pluricelular é datada de 540 milhões de anos atrás, e é a partir dela que evoluem outras espécies. Entendendo isso, existe a possibilidade de entender a evolução da vida, como essas espécies evoluíram e como foi sua diversificação até os dias atuais”, argumenta Edna.
Os estudantes que participam do projeto de pesquisa fazem trabalho de campo em cidades como Corumbá, Bonito, Bodoquena, Jardim, Nioaque, Anastácio, Rio Negro do Mato Grosso, Inocência, Cassilândia, dentre outras, e a quantidade de material fossilífero recolhido é tanta, que sequer conseguem numerar. Dentre as principais descobertas, estão os animais invertebrados e vertebrados, além de novos sítios paleontológicos, como um considerado muito expressivo da megafauna que se encontra no Rio Apa.
“Ninguém conhecia, a gente tem recolhido material paleontológico, eu fiz todo o processo de curadoria, e esse material vai ficar como patrimônio do estado de Mato Grosso do Sul, e todas as instituições podem vir, consultar, e fazer pesquisas em cima desse material”. Para a professora, quanto mais descobertas são feitas, mais conhecimento pode ser compartilhado com estudantes e pesquisadores do Brasil e do mundo.
Pesquisa inédita e suas contribuições
Edna conta que, recentemente, durante uma viagem de campo para Anastácio, acabou fazendo uma descoberta inédita: pegadas de dinossauros nunca antes descritas nos livros. Segundo a professora, os profissionais da área sequer sabiam que elas existiam, e uma das coisas que mais impressionou a equipe foi que, ao lado das pegadas, geoglifos de caçadores e coletores, que viveram há cerca de 5 mil anos, foram encontrados imitando justamente as pegadas.
“Essa população de nômades, que viviam na região do Cerrado principalmente, tinham o costume de fazer geoglifos muito próximos. Então, você tem o lado paleontológico, mas também pinturas rupestres que tentavam imitar essas pegadas, é uma pesquisa inédita que agora estou orientando”, revela a professora. Para ela, essas descobertas podem servir como fonte de renda para populações que vivem nesses locais atualmente, como neste caso específico, em que as pegadas e os desenhos estavam na mesma região do Assentamento Monjolinho, em Anastácio.
A partir da agricultura familiar e do respeito ao meio ambiente, as famílias deste assentamento produzem queijo, leite, doce de leite e outros produtos que poderiam ser melhor valorados caso fossem associados ao sítio paleontológico. Camisetas, canecas e até mesmo rótulos de produtos com as pegadas, poderiam facilmente ser inseridos nas produções, melhorando a renda da população na região.
Estudar o passado para não errar no futuro
Hoje sabemos que para que os mamíferos dominassem o planeta, foi preciso que uma extinção em massa dos répteis entrasse em curso, a partir de um cometa que caiu na América Central. “Era um local que não poderia ter caído, que é um dos lugares em que existem as maiores concentrações de petróleo. Por um período muito grande, não entrava luminosidade na Terra, então essas espécies ficaram sem alimento, e aí os mamíferos, que eram muito pequeninos, conseguiram sobreviver porque entravam dentro dos buraquinhos minúsculos. E aquelas espécies que precisavam de muito alimento se extinguiram, teve um processo de extinção muito expressivo dos répteis, e como os espaços nunca ficam vazios, os mamíferos adentraram e se deram muito bem, e estamos aqui”.
Segundo Edna, ao longo do curso da história evolutiva na Terra, foi preciso que muitos fatores dessem errado para algumas espécies, consequentemente favorecendo outras, para que estivéssemos aqui neste exato momento. E se hoje dominamos as outras espécies, é preciso ter ciência de que isso já aconteceu anteriormente, mas que, pela primeira vez, somos a única que tem promovido tanta destruição.
“Nosso planeta é único. Por mais que tenhamos avançado na ciência e astronomia, não tem se mostrado muito promissor vida fora do planeta. A nossa tecnologia ainda está muito aquém para suprir as distâncias dos planetas e dos outros sistemas solares. Existem muitos fatores que tornam a vida na Terra possível, e o homem tem que entender que nós somos só mais uma espécie, e todas as espécies são importantes”, justifica Edna.
Considerando que temos um prazo de validade dentro da história geológica, o melhor que podemos fazer é preservar aquilo que temos. Para a professora, a melhor forma de fazer isso é inserir nas escolas básicas o ensino sobre Ciência da Terra, para que desde de crianças aprendêssemos como as espécies se desenvolveram, e como preservar o planeta. Além disso, outra área que não pode ser deixada de lado é a história, e, para nós, a história do Brasil, para que compreendêssemos mais sobre os processos de desumanização e preconceitos, que carregamos desde a colonização. “Não temos como dar valor às coisas que nunca vimos”, encerra a docente.
Texto: Agatha Espírito Santo
Fotos: Álvaro Herculano