Conferência coloca em destaque a questão das humanidades na produção do conhecimento

Na primeira manhã da programação científica da 71ª Reunião Anual da SBPC uma importante questão foi discutida: qual o lugar das humanidades na construção do pensamento crítico da universidade brasileira.  Para tratar dessa temática, explorando as diversas interfaces do assunto, o professor e filósofo Vladimir Safatle proferiu a Conferência – Da Inutilidade das Humanidades Como Fundamento do Pensamento Crítico.

O ponto inicial da fala do professor situou as humanidades (a literatura, a história, a filosofia, as artes, entre outras), como um território de saberes e de modos de reconhecer e encarar mundo a partir de uma perspectiva não utilitarista. Isto é, as humanidades não se organizam mediante a imediatez das coisas.

Desse contexto, Safatle comentou que tais saberes passam a ser questionados já que não se enquadram em um processo de instrumentalização do conhecimento. “O real problema está em uma sociedade que reconhece importância apenas àquilo que se submeta utilidade e as funções, ou seja que só pode ser traduzida nos termos do útil.  O que não estiver dentro dessa gramática de utilidade é desvalorizado”.

 A desvalorização é incorporada no princípio decisório das políticas públicas das universidades. Por consequência, as humanidades são as primeiras áreas a sofrerem com a austeridade que obriga a racionalizar os gastos, a passar por processos de severidade disciplinar, a submeter todos a restrições de corte.

“Nesse panorama, incentiva-se o uso de conceitos que remetem ao universo moral (a austeridade, a responsabilidade, cooperação – tem uma função clara: produzir uma classe acadêmica integrada a instrumentalização da razão. Assim, o que observamos é uma modificação nos contextos da formação e empregabilidade que alteram o mito da universidade como uma etapa garantidora da ascensão social e da sobrevivência econômica”, explicou Safatle.

Na análise do filósofo tanto o papel dos intelectuais, quanto o valor da formação como algo que desenvolve a sensibilidade estética, a empatia, a imaginação, foram substituídas por um desejo de eficiência e utilidade que descrevem uma crise séria:  o fim de um modelo de gestão conciliador entre a classe intelectual e a classe trabalhadora; bem como o papel de provar problemas a partir da pertinência do saber.

Existem setores que sabem que podem sobreviver sem a universidade e, por isso, alimentam uma atmosfera de sistemática desvalorização das humanidades como recurso para mitigar o potencial crítico presente nestes saberes.

Contra isso, Safatle disse: “precisamos de um desejo de saber capaz de produzir uma imaginação criativa que desenhe coisas novas e que seja capaz de nomear os acontecimentos do processo político para reabilitarmos no pensamento a capacidade de gerar problemas, propondo outros horizontes”.

Texto: JC Costa