Cada vez mais presente no bolso dos alunos, o celular, não raramente conectado à internet, amplia as possibilidades para fins pedagógicos. Investigar essas oportunidades de uso do dispositivo móvel em aulas de Matemática, instigando o ensino dessa ciência, é o desafio abraçado pelo projeto guarda-chuva Tecnologias Digitais Móveis e Educação Matemática (TeDiMEM).
Instituído e coordenado pela professora doutora Aparecida Santana de Souza Chiari, do Instituto de Matemática (INMA), o projeto, financiado pelo CNPq, também está sendo realizado em parceria com cinco universidades públicas, uma em cada região do Brasil: Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
A procura pelas universidades parceiras foi feita com o propósito de aumentar a diversidade de contextos, diante de outras
particularidades regionais e locais, e unir esforços no sentido de pesquisar o uso do celular voltado para o ensino e a aprendizagem de Matemática. “Estabelecemos parceria com um pesquisador de cada uma dessas universidades, doutores nessa mesma área em Educação Matemática. Todos nós vamos orientar trabalhos, desenvolver ações, sempre pensando no uso do celular para o ensino”, explica a professora Aparecida.
Ainda pouco acostumados a usar o celular para ensinar e para aprender matemática, professores e alunos querem descobrir novos cenários, problemas e limites a partir desse dispositivo móvel.
Para a pesquisadora, é possível ressignificar conceitos com o celular. “Quando fazemos isso, o conhecimento produzido é diferente. Por isso queremos entender nessa pesquisa a particularidade desse conhecimento, como podemos pensar e adaptar atividades, ou seja, trabalhar também numa linha informativa. Temos que desmistificar algumas questões e mitos referentes ao ensino, ao uso de tecnologia e à própria Matemática. Que tipo de novos problemas criamos e que novas possibilidades se abrem? Que limitações específicas se estabelecem? Às vezes não usamos o celular com fins pedagógicos apenas por não saber como fazê-lo. Por outro lado, é importante ter um olhar crítico sobre esse uso. Não o vemos como vilão, mas também não o vemos como aquele que vai resolver todos os problemas. Ou seja, não entendemos que usá-lo seja melhor ou pior, não trabalhamos com comparações. Nós entendemos que é diferente e queremos investigar essa especificidade. Mais importante do que ser a favor ou contra o uso é pensar que tipo de uso pode ser feito”, diz.
Com vigência de três anos, o projeto reúne várias pesquisas de Mestrado e de iniciação científica e nos próximos anos terá uma pesquisa de Doutorado. No terceiro ano de projeto, a proposta é a publicação de um livro que sistematize e sintetize os principais resultados.
O projeto pretende olhar o celular como um dispositivo que o aluno possa usar para produzir conteúdo digital, como vídeos, animações, applets, histórias em quadrinhos, de forma a expressar sua aprendizagem matemática, ao mesmo tempo em que edita e compartilha o conteúdo produzido, por meio das redes sociais, com a comunidade escolar e com a família.
“A outra vertente é pensar os aplicativos específicos que temos de Matemática. O mais usado é o GeoGebra, que é um aplicativo de matemática dinâmica e que combina conceitos de álgebra, geometria, tabelas, gráficos, estatística e cálculo, podendo ser usado desde o ensino fundamental até o superior”, expõe Aparecida.
Além de pensar o uso dos aplicativos específicos de Matemática, é possível adaptar algum outro aplicativo ou jogo que não tenha um cunho pedagógico explícito, mas que pode compor uma atividade de cunho pedagógico, junto a outros elementos.
Exemplo disso é o uso do jogo de raciocínio Batalha Naval para explorar conhecimentos de probabilidade estatística com os alunos. O aplicativo em si não é de Matemática, mas será inserido no contexto de uma atividade pedagógica de Matemática.
As atividades são desenvolvidas com alunos dos ensinos fundamental, médio e superior. “No ensino fundamental já fizemos uma intervenção esse ano. Explicamos a pesquisa para os pais e pedimos autorização para aqueles que tivessem disponibilidade de enviar o celular para a escola com o filho. Quem não pôde foi integrado na atividade do mesmo jeito, porque montamos grupos”, explica a professora.
Dois mestrandos estão trabalhando com turmas de ensino fundamental de escolas públicas. Para o 5ª ano, será proposta a produção de história em quadrinhos. “Essa proposta é interdisciplinar e irá unir Matemática, Português e Geografia, a partir do uso do Google Maps e depois com a produção de uma história em quadrinhos que relate essa experiência”, diz.
Já com turma de 6ª ano, foram realizadas produções de vídeos sobre quadriláteros, também integrando o GeoGebra. Outros dois orientandos de Mestrado desenvolvem projetos de ensino de graduação para os acadêmicos de Licenciatura em Matemática da UFMS, o primeiro sobre Transformações Lineares, conteúdo visto na disciplina de Álgebra Linear, e o segundo sobre Integrais Múltiplas, ensinadas em Cálculo III.
Diversidade
Nem todo problema de matemática se mantém problema quando se muda a mídia com a qual ele é explorado, segundo a pesquisadora. “Se eu pedir a um aluno, com lápis e papel, para esboçar o gráfico de uma função de segundo grau, isso pode ser um problema com lápis e papel, mas não é com o uso do GeoGebra, porque você digita a função e ele apresenta o gráfico. Então, que tipo de problemas envolvendo função do segundo grau eu posso pensar a partir desse contexto?”, questiona.
Por outro lado, é importante para os alunos saber fazer o gráfico de maneira manual, por isso lápis e papel não são negligenciados. “Não pensamos em substituição, pensamos em ampliar as possibilidades. Aliás, nem toda aula tem de ser feita com tecnologia digital, com celular, isso precisa estar alinhado aos objetivos que o professor tem para aquela aula”, completa Aparecida.
Caso, por exemplo, do gráfico de segundo grau e a problematização do conceito de derivada. “O conceito de Derivada é um dos três pilares de Cálculo I. Na representação gráfica de Derivadas, o aluno pode trabalhar no GeoGebra com aproximações. Pode manipular, de forma a perceber que é possível aproximar dois pontos o quanto se desejar, a partir do zoom, mas sem que eles se tornem um único ponto, ideia que está relacionada com esse conceito. Aproximo mais, mas se dou um zoom, vejo que ainda não está tão perto, então posso fazer novamente, e de novo, e isso, no plano teórico, não acaba nunca. Esse é um tipo de visualização que o lápis e o papel não me dá da mesma forma, de maneira dinâmica”.
Celular e computador, nesse contexto, seriam mídias a partir das quais se dá o mesmo tipo de produção de conhecimento, já que ambos são dispositivos digitais que executam, em alguns momentos, as mesmas tarefas? Não, segundo a pesquisadora.
“No celular temos pelo menos duas particularidades: a questão da mobilidade e a questão do toque. O mouse é como se fosse uma ponte entre a minha mão e o que eu vou manipular. Quando você usa o GeoGebra no celular, por exemplo, é como se você, de um certo modo, tocasse o ponto, arrastasse com as pontas dos dedos e entendemos que o conhecimento que está sendo produzido neste contexto vai ser particular”, aposta.
O uso do celular também pode atuar no entendimento e na produção de conhecimentos de conceitos de Matemática, que para muitos é considerada uma das disciplinas mais difíceis na vida escolar e universitária. “Essa geração está acostumada com a linguagem digital, a se expressar nas redes sociais, a assistir vídeos no YouTube e produzir conteúdo para essa rede. Quando propomos atividades que se alinham com essa linguagem, temos um motivo a mais para despertar no aluno o interesse pela Matemática”.
Quando posto na posição de produtor, diz a pesquisadora, o aluno acaba vendo a disciplina como uma ciência que não é pronta, acabada, estática, mas que está movimento, em ebulição e que ele está ajudando nessa construção. Ou seja, a tecnologia digital móvel ajuda a desnaturalizar a ideia de matemática difícil e elitizada.
“Ao mesmo tempo, quando o aluno assume a produção do conteúdo digital, que expressa sua aprendizagem, aquele conteúdo não é só a expressão de sua aprendizagem, pode servir também como material de ensino”, afirma.
O projeto estará presente com a atividade “Que tal usar o celular para aprender matemática?” no evento “Primeira escola de extensão universitária”, a ser realizado na UFMS em setembro deste ano pela Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Esporte (Proece) da Universidade.
Texto: Paula Pimenta