Pesquisas querem melhorar qualidade de vida de pacientes da Farmácia Escola

Autoimune, neurodegenerativa, crônica e ainda sem cura, a esclerose múltipla exige dos portadores o uso contínuo do medicamento para impedir a progressão da doença, reduzir taxas de surtos e recaídas.

Essa preocupação com a correta adesão ao medicamento, aliada a uma investigação da qualidade de vida dos pacientes, comorbidades (coexistência de doenças ou transtornos), percepções da evolução da doença e do tratamento, avaliação corporal e antropométrica, entre outras ações, está sendo objeto de estudo de Mestrado da farmacêutica Cinthia Rios Soares na Farmácia Escola da UFMS.

Também professora voluntária do curso de Farmácia da UFMS, Cinthia pretende caracterizar o perfil dos pacientes com esclerose, identificando dados epidemiológicos, clínicos, sociodemográfico e farmarcoterapêutico.

Com a dissertação “Cuidado Farmacêutico aos Portadores de Esclerose Múltipla”, ela explica que é preciso ter um olhar diferenciado para pacientes quando da dispensação dos medicamentos. “Às vezes, quando focamos em tratar a doença, pensamos aumentar rol de opções de seleção e acesso dos medicamentos, mas se não houver um olhar voltado para como o paciente está fazendo o uso do medicamento e como ele interpreta e executa as demais orientações médicas não chegamos ao resultado esperado”, diz.

A adesão é o seguimento do paciente às orientações médicas de maneira regular e participativa, logo consciente. “Essa é a nossa preocupação como farmácia clínica, porque o portador da esclerose precisa seguir as orientações e saber o porquê, caso contrário, ele se fragiliza e pode deixar o tratamento”.

Pela pesquisa está sendo feita uma identificação da adesão de maneira pontual, por meio de método validado (escala), com perguntas que permitem identificar se o paciente faz uso correto ou não do medicamento. Para confrontar essa avaliação clínica, a farmacêutica analisa ainda o tempo médio de retirada dos medicamentos na Farmácia Escola da UFMS.

Isso porque os medicamentos são dispensados para 30 dias. Logo, se dentro de um mês o paciente não retornar, fica evidenciada a falha na adesão ao tratamento.

“Quando faço a entrevista, inicialmente o paciente se considera aderente, mas ao longo dos questionamentos identificamos inconsistências, pois a omissão de doses de medicamentos em um único dia, na semana por exemplo, já caracteriza falha de adesão. Há um erro de entendimento, porque para muitos não ser aderente é ficar continuamente sem tomar, independentemente das falhas de dose”, completa Cinthia.

Em 2016, aproximadamente 368 portadores de esclerose múltipla passaram pelo Hospital Universitário, cujo ambulatório de neurologia é referencia no estado para tratamento de esclerose múltipla. A pesquisa abrange um universo de 124 pacientes cadastrados na Farmácia Escola para retirada do medicamento, de idade adulta, e que estavam ativos (no mínimo uma retirada) de julho a dezembro de 2016. Até o momento 80 portadores foram avaliados.

A proposta também é verificar a capacidade do paciente de administrar o medicamento.  Cinco formas são dispensadas pelo SUS hoje para tratamento – três injetáveis, uma endovenosa e uma oral. A maior parte dos pacientes usa medicamento injetável – os primeiros descobertos para tratamento, considerados um pouco mais seguros.

“O Brasil tem um protocolo do Ministério da Saúde que determina serem os injetáveis os medicamento de primeira escolha. Somente se houver falha terapêutica, se não estabilizarem a doença, os surtos e a progressão, ai pode-se avançar no tratamento e passar ao endovenoso e ao oral. Nos outros países, os medicamentos são escolhidos de acordo com a clínica e a critério do médico”, explica a farmacêutica.

Com o tratamento mensal variando entre R$ 6 mil a R$ 20mil, a adesão é maior entre o público que faz uso do medicamento endovenoso, que é aplicado somente em hospital ou unidades especializadas.

Os injetáveis, que são aplicados pelos pacientes em casa uma vez ao dia, ou uma ou três vezes na semana, causam reações adversas, muitas vezes limitantes. Grande parte dos pacientes portadores de esclerose faz uso de outros medicamentos como analgésicos e anti-inflamatórios para queixas álgicas.

“Para fortalecimento da proposta de gestão clínica da condição geral de saúde desses pacientes foi realizado contato com o médico neurologista do Centro de Diagnóstico de Esclerose Múltipla do Hospital Universitário, Pedro Rippel, para iniciar uma parceria e fazer o monitoramento, por meio de exames, das funções hepática e renal, além de exames para rastreamento de dislipidemias e hipotireoidismo”, diz.

Números parciais

A partir dos resultados parciais da pesquisa e a identificação da fragilidade dos pacientes, foi criado este ano o projeto de extensão “Cuidado Farmacêutico aos Pacientes com Esclerose Múltipla assistidos pela Farmácia Escola”, que além da Farmácia reúne o ambulatório de Neurologia, ambulatório de Psquiatria e a Clínica Escola, com o setor de Fisioterapia .

Até o momento, dos 80 pacientes acompanhados, foram analisados os dados de 64, entre os quais 70% são do sexo feminino, com média de idade de 42 anos (variando entre 21 e 70 anos), 66% natural de Mato Grosso do Sul e 75% brancos (há maior prevalência em raça branca, principalmente em dessedentes caucasianos).

Metade tinha renda menor ou igual a dois salários mínimos, sendo que no universo de 21 a 59 anos – adulto funcional – 50% não exerciam qualquer ocupação. Desses, 25% eram aposentados, 15% estavam afastados do trabalho e 10% desempregados. Na faixa etária acima de 60, 75% estão aposentados.

Pelo menos 52% apresentam comorbidades, dos quais 30% eram transtornos de humor, 13% hipertensão, 13% hipotireoidismo, 6% dislipidemia, 6% gastrite e 4% diabetes. “Estamos buscando identificar as comorbidades mais prevalentes nessa população”, afirma Cinthia.

Com relação ao estado ponderal – 56% estavam com aumento de peso (IMC). “Queremos abrir a visão dos pacientes para mostrar que nem tudo o que acontece com eles é da esclerose. Se ele não investigar outras causas e achar sempre que tudo é por conta dessa doença, deixa passar a possibilidade de tratar outras e melhorar a qualidade de vida”.

A limitação física já atinge 47% do grupo, sendo que 20% têm problema com locomoção e 17% com a visão.

Conforme entrevista clínica, 84% não são aderentes, ou seja, não tomam o medicamento com a frequência devida. Em relação à via de administração da farmacoterapia, 69% utilizam os injetáveis subcutâneos e aplicam em casa, 20% estão com o injetável endovenoso, uso em ambiente hospitalar, 11% utilizava terapia oral e 92% fazem uso da Vitamina D3 como terapia auxiliar.

Entre os entrevistados, 63% responderam que às vezes se esquecem de usar o medicamento e 23% afirmam deixar de usar quando se sentem mal.

Para 67% dos avaliados, os medicamentos funcionam bem e estão estabilizando a doença, mas é alto o índice de queixa de reação adversa, 63%.

Um diferencial da percepção do paciente se dá quanto ao medicamento endovenoso, que alcança o percentual de 77% de bom resultado na avaliação subjetiva, sem qualquer efeito colateral.

“O medicamento é eficaz para retardar a progressão da doença quando utilizados segundo as condições descritas pelos testes realizados com o fármaco e em estudos clínicos – se há falhas na adesão não há garantia da efetividade terapêutica – por isso nossa grande preocupação. Sempre questiono os pacientes: você quer arriscar?”, alerta a farmacêutica.

A esclerose

Doença que mais incapacita adultos jovens no mundo, a esclerose múltipla é mais prevalente entre a idade de 15 a 45 anos. Na América do Norte e Europa, a prevalência dessa doença é alarmante (chega a 200 portadores em cada 100.000 habitantes), mas no Brasil acredita-se que há 30 mil portadores (prevalência de 15 portadores em cada 100.000 habitantes), número que traz reflexões quanto a possibilidade de existência de subdiagnóstico.

Por um processo autoimune, as pessoas que tem esclerose múltipla começam a destruir a própria Bainha de Mielina, o que inicia um processo inflamatório e causa lesões.

Não existem sintomas exclusivos da esclerose múltipla. Os mais comuns são diminuição da acuidade visual (visão embaçada, meio turva), fadiga, parestesias (são sensações cutâneas subjetivas, ex: frio, calor, formigamento, pressão etc que são vivenciadas espontaneamente na ausência de estimulação) e/ou paresias (paralisia incompleta ou diminuição da motricidade) que em geral acometem a capacidade motora, como dificuldade para andar, pegar objetos e até falar.

Quanto mais cedo houver o diagnóstico, melhor, porque o tratamento evita a progressão da doença e consequentes danos. A doença pode se manifestar em remissão e recorrência, muitas vezes os primeiros sintomas aparecem na fase mais jovem, mas o diagnóstico é tardio, principalmente porque o exame que melhor auxilia o médico no diagnostico da doença – ressonância magnética – é pouco realizado pelo alto custo.

“É grande o número de pessoas que antes tiveram as queixas apresentadas como outras condições, que não a esclerose. Por isso, é um assunto que precisa ser abordado na atenção básica. Será que na assistência primária à saúde da população (unidades básicas de saúde, programa de saúde da família) está sendo realizada uma análise e investigação adequada dos sintomas dessa doença?”

Asma

Pesquisa similar será desenvolvida a partir de agosto pelo mestrando e também professor voluntário da UFMS no curso de farmácia Uriel Massula, mas com pacientes asmáticos assistidos pela Farmácia Escola.

“Será realizado o cuidado farmacêutico, neste cuidado temos uma visão holística do paciente, onde buscamos compreender o todo e não apenas a doença. Vamos aplicar escalas de adesão a farmacoterapia e também de avaliação da qualidade de vida, buscaremos pontos em que podemos auxiliar na melhoria da utilização dos medicamentos prescritos como, por exemplo, erros no momento da administração do medicamento pelo paciente o que é muito recorrente em pacientes asmáticos” explica Uriel.

Ainda, será feito um cálculo amostral dos pacientes e os mesmos serão acompanhados pelo período de um ano, para que se possa excluir as questões de sazonalidade. Ao todo, farão parte da pesquisa cerca de 90 pacientes que retiram o medicamento na Farmácia Escola.